Parado há 8 meses na Câmara dos Deputados, o projeto que impõe regras aos acordos de leniência (PL 3636/15) pode entrar em regime de urgência. O projeto permite que acordos sejam fechados sem o Ministério Público e o TCU. Para especialistas ouvidos pelo Contas Abertas, a proposta tem a intenção de frear operação de combate à corrupção, como a Lava Jato.
Para o procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, a urgência na votação causa surpresa e pode ser vista como algo que tenha por efeito, prejudicar o avanço da Lava Jato. “Talvez seja uma tentativa de frear a Lava Jato e conter os danos ao estado político que a operação causou até agora”, explica.
Para Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, estão sendo subvertidas a origem das regras de punir as empresas que praticam atos de corrupção. “Sem dúvidas há risco ao trabalho da Lava Jato e todas operações mantidas pelo país no combate à corrupção”, afirma. Para Livianu, o projeto permite a criação de uma porta dos fundos, pelas quais as empresas fazem esses acordos sem transparência, sem fiscalização, ao arrepio do interesse da sociedade.
O projeto estava parado na Câmara há oito meses. De uma hora pra outra, o líder do governo, André Moura, do PSC, passou a tratar o caso com prioridade. Na terça-feira (8), André Moura pediu apoio a líderes partidários para votar o projeto com urgência sem sequer mostrar o relatório que está preparando. Nesta quarta (9), ele se reuniu a portas fechadas com o ministro da Transparência, Torquato Jardim, que também preferiu não falar sobre o assunto.
O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das empresas acusadas de corrupção e que se beneficiaram de dinheiro sujo. Elas assumem a culpa por irregularidades, afastam os executivos envolvidos, pagam multas, devolvem o dinheiro desviado e, assim, podem voltar a fazer negócios com o governo.
De acordo com o projeto da Câmara, o governo poderia fechar acordo sem a participação do Ministério Público. E ainda exclui a fiscalização do Tribunal de Contas da União no processo de negociação com empresas acusadas de corrupção para que colaborem com as investigações em troca de redução de punição.
Para Júlio Marcelo, não faz sentido o Poder Executivo atravessar um acordo de leniência à revelia da opinião técnica do Ministério Público, que é quem conduz a investigação penal com acesso informações sigilosas que o Poder Executivo não tem. “O Executivo não pode avaliar com a mesma qualidade se uma informação prestada pela empresa é realmente relevante para uma investigação, se não é algo que o Ministério Público já dispõe”, explica.
Em relação ao TCU, o procurador destaca que o projeto retira uma função inerente ao TCU: a possibilidade de supervisão dos acordos de leniência. “Pretender fazer acordo de leniência sem a fiscalização e controle do TCU fere a Constituição, a moralidade pública e o combate à corrupção”, afirma.
Livianu considera ilegítimos os acordos de leniência celebrados apenas entre órgãos do governo (Controladoria, ouvidorias e as empresas suspeitas). “Esses acordos permitem acesso ao dinheiro do BNDES, fornecimento de atestado de idoneidade, que permite participar de licitações e multas sem nenhuma fiscalização. É mais ou menos como dar a chave do galinheiro para a raposa tomar conta”, afirma.
Para Livianu, o projeto enfraquece o Ministério Público, a sociedade e o TCU, que deixa de ter a possibilidade de cumprir plenamente o seu papel. “É uma reedição dessas regras que desrespeitam a própria origem da Lei 12.486, que são os tratados internacionais. Esses textos falam em um pacto mundial contra corrupção e não leis para salvar empresas. O artigo 5 da convenção da OCDE diz claramente: não se pode deixar de punir empresas por corrupção com argumento de dano à economia”, conclui.
Fonte: Contas Abertas.
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