Por João Batista Araújo de Oliveira e Ilona Becskeházy
A população brasileira, em geral – e, em particular, a que depende da escola pública -, está à espera de políticas que efetivamente façam a educação avançar no País. Nada mais eloquente do que o depoimento da mãe de um aluno matriculado no primeiro ano de uma escola do interior fluminense, porque ele representa a aflição de muitas outras mães que dependem das escolas públicas: “A Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiras de Macacu (RJ) está interpretando que a alfabetização começa ou pode ser estendida aos oito anos. Isso é um retrocesso, pois, nos anos 80/90, os alunos ao final do primeiro ano já sabiam ler e, no terceiro ano, já tinham acesso a um currículo muito diversificado. É necessário que a sociedade exija que a alfabetização ocorra aos 6 anos de idade, como é na rede particular. Se não for assim, como fica o princípio republicano da isonomia? O Estado acaba ajudando a diferenciar seus pequenos cidadãos?”.
É natural que uma nação que viu o Brasil melhorar em tantas áreas espere que seu governo faça o mesmo pela educação. Tanto quanto é natural que a população tenha a expectativa de que as autoridades educacionais já estejam caminhando nessa direção. Infelizmente, não é o caso do nosso país, cujas lideranças educacionais insistem em perseguir um caminho próprio e equivocado, que não leva em conta as evidências científicas sobre o que funciona no processo pedagógico e as principais experiências internacionais de políticas educacionais públicas e eficazes.
Nos últimos anos, especialmente a partir das informações de dois grandes programas de avaliação estudantil em nível internacional – o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Tendências Internacionais nos Estudos de Matemática e Ciência (Timms) – os países desenvolvidos vêm reformulando seus currículos nas áreas de matemática e de ciências e as orientações sobre o ensino da língua e sobre a alfabetização. Há um ambiente de colaboração internacional entre as autoridades educacionais, do qual os nossos representantes têm escolhido não fazer parte.
A demonstração mais recente do isolamento educacional brasileiro está em duas iniciativas do governo federal a respeito da alfabetização escolar das crianças: a Medida Provisória n.º 586/12 e uma proposta de normativa para garantir “direitos de aprendizagem”. São duas peças que, uma vez aprovadas respectivamente pelo Poder Legislativo e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), servirão de base legal para garantir aos brasileiros o “direto de aprender a ler aos oito anos”. O problema, muito bem apresentado pela mãe de Cachoeiras de Macacu, é que continuamos sem ter a definição clara do que é “saber ler” e colocamos um padrão difuso que está servindo para facilitar a vida de quem não sabe “ensinar a ler”.
A medida provisória trata essencialmente de recursos para compra de materiais paradidáticos, formação de alfabetizadores e premiação para quem der conta do recado. Para se ter uma ideia de como o assunto é tratado por quem estabelece as políticas educacionais, foram enviadas mais de 60 emendas – e duas delas propunham estabelecer a alfabetização como direito a ser assegurado aos 6 anos, ao final do primeiro ano do ensino fundamental, como se faz nas escolas privadas e no mundo desenvolvido. Essas duas emendas foram rejeitadas. Outra, que dispensa os tomadores de crédito estudantil de ter ficha de crédito limpa, foi aprovada, apesar de nem estar relacionada com a matéria em pauta.
Para ilustrar a dimensão do fosso que nos separa do resto do mundo, fazemos uma comparação de fácil digestão para os brasileiros – com Portugal.
Recentemente, o currículo de Língua Portuguesa e o de Matemática para o ensino fundamental foram reformulados com o objetivo explícito de melhorar a qualidade e se aproximarem dos demais países da Europa. Esses currículos, disponíveis na internet, são detalhados e simples o suficiente para que as famílias possam acompanhar a sua implementação nas escolas de seus filhos. Lá até as escolas particulares tiveram de fazer adequações para atenderem aos novos padrões, que, além de detalhados, são desafiadores para os alunos e seus professores.
Alguns exemplos do que o documento da terra de Camões apresenta: no primeiro ano o aluno deve ler, num texto simples, 55 palavras por minuto; no segundo ano, 90 palavras por minuto e no terceiro ano, 110 palavras por minuto. Também no terceiro ano os portugueses devem “escrever pequenas narrativas, incluindo os seus elementos constituintes: quem, quando, onde, o quê, como”. E vão “introduzir diálogos em textos narrativos”. Fica fácil imaginar que, daqui a dez anos, seremos nós os protagonistas das piadas de português…
Sempre há esperança. No caso da Medida Provisória n.º 586/12, os legisladores poderiam abrir espaço para ouvir outras vozes, analisar a experiência internacional e avaliar políticas públicas que efetivamente possam promover avanços na alfabetização das crianças. Poderiam, por exemplo, começar ouvindo o que a Academia Brasileira de Ciências tem a dizer – inclusive saberiam que, se existe um ciclo de alfabetização, ele deveria começar na educação infantil e terminar no primeiro ano do ensino fundamental. No caso do documento enviado ao CNE, sempre é tempo para retirar da pauta, rever e incorporar, de maneira consistente, o que o conhecimento científico acumulado e a experiência de outros países teriam a nos ensinar.
Quem sabe o nosso ministro da Educação, Aloizio Mercadante, se disponha a ter um curto diálogo com seu colega Nuno Crato, de Portugal? Ou a presidente Dilma Rousseff se sensibilize com padrões educacionais que, apesar de nada populares em alguns setores da educação local, são ambiciosos o suficiente para tornar o Brasil um país realmente cosmopolita?
Fonte: O Estado de S> Paulo, 06/02/2013
Não está claro a que “tantas áreas” de melhoras se refere os articulistas. Em sendo assim , posso exemplificar como “melhorias” a evolução dos níveis de corrupção, de atos de delinquencia política, de submissão e de dependência da classe empresarial aos arroubos governamentais,do desrespeito às leis e às instituições do Judiciário, da incompetência na gestão dos recursos públicos, do descaso com a saúde pública,da degradação da infraestrutura de transportes… São muitas “melhorias”. Por isso, a necessidade de transparência e claridade na afirmativa ou, prudente, considerar a omissão de festejos de melhoramento..