A temida possibilidade de um segundo mergulho recessivo reapareceu. Estimativas acerca da produção industrial global sugerem que o segundo trimestre teria registrado algo entre estabilidade e queda modesta após oito trimestres de expansão razoavelmente firme, embora insuficiente para retomar os níveis de produção plena. Essa evidência se soma a resultados fracos do Produto Interno Bruto (PIB) tanto nos EUA quanto na área do euro, indicando que o ímpeto da recuperação pode ter chegado ao fim. De fato, há motivos para crer que, mesmo se o quadro recessivo não se materializar, as perspectivas de crescimento não são animadoras.
O consumidor americano, a mola propulsora da demanda global, se vê ainda tentando recompor sua riqueza face à perda de praticamente um terço no valor dos imóveis. Assim, a taxa de poupança das famílias saltou de valores próximos a zero para algo ao redor de 5% da renda disponível, revelando baixa disposição para o consumo.
O investimento residencial, por motivos óbvios, também segue fraco e as empresas, nesse contexto, não têm incentivos para se engajarem em projetos mais ambiciosos. Adicione-se a isso algum grau, ainda que modesto, de contração fiscal, mais do lado de estados e municípios do que do governo federal, e temos um quadro de expansão acanhada, na melhor das hipóteses, para os EUA.
Já a Europa vive uma crise na qual as economias periféricas, um terço do seu PIB, enfrentam forte elevação de taxas de juros sobreposta ao impulso negativo da crise financeira de 2008, isto é, a necessidade de passarem por um considerável ajuste da sua taxa de câmbio real por meio da deflação e, portanto, queda de atividade. Sem a perspectiva de uma solução rápida para esse problema não se deve esperar maior dinamismo da região, em que pese o poderio exportador alemão, suplementado pelo euro fraco.
Mesmo que isso não seja classificado como recessão, a verdade é que a recuperação, também lá, vem se desenrolando de forma bastante distinta das experiências anteriores, caracterizadas por crescimento acima do potencial, possibilitado pelo emprego de recursos inicialmente ociosos.
Temos assim, em conjunto com o Japão, cerca de 60% da economia global fora de combate, o que necessariamente gera um problema para o restante. Dado isso, quais seriam as consequências para o Brasil?
Não há como argumentar que seriam positivas; todavia, creio que não há motivo para esperar um quadro tão grave quanto o que assolou o país no final de 2008, basicamente por duas razões.
A primeira está exposta acima: a despeito da desaceleração ou recessão nas economias mais desenvolvidas, não se trata de colapso sequer remotamente comparável ao vivido no último trimestre de 2008. Naquele momento o sistema financeiro internacional sofreu um enfarte, expresso na paralisação dos fluxos interbancários. A diferença entre a taxa interbancária e a dos títulos públicos atingiu então quase 5 pontos percentuais ao ano, sintoma de verdadeiro pavor de repassar recursos a qualquer outra instituição.
Hoje, apesar da crise, falamos de valores da ordem de 0,3% ao ano. Na ausência, esperamos, de problemas mais graves nesta área, parecem remotas as chances de um cenário semelhante ao que se materializou após a falência do Lehman.
Em segundo lugar, estão ausentes também os derivativos de câmbio que alimentaram a forte depreciação do real à época. E, diga-se, o problema então era menos a taxa de câmbio em si do que suas implicações para a saúde financeira das empresas expostas a tais derivativos. Este foi o principal canal pelo qual a paralisia do crédito internacional ganhou uma feição doméstica, já que bancos, inseguros acerca da exposição de cada empresa, cortaram indiscriminadamente suas linhas. Sem esse problema, é pouco provável que tenhamos efeitos de magnitude minimamente semelhante aos daquele momento.
Isso não significa imunidade à desaceleração global. A indústria, o setor mais exposto ao comércio internacional, enfrenta as maiores dificuldades. Como cerca de 75% das exportações de manufaturas se destinam à America Latina, Europa e EUA, não é difícil concluir que a fraqueza dos dois últimos deverá afetar adicionalmente a demanda por manufaturados nacionais. Por outro lado, o dinamismo do consumo doméstico, dado ademais um mercado de trabalho ainda firme, deve sustentar taxas positivas de crescimento, em particular no setor de serviços.
Assim, o cenário mais provável é desaceleração assimétrica do crescimento local, afetando menos o setor de serviços, responsável por três quartos do emprego no Brasil, do que a indústria, implicando redução lenta das pressões hoje existentes no mercado de trabalho e, portanto, queda também vagarosa da inflação, ao contrário da experiência de 2008/09.
Naquele momento, face à retração abrupta da atividade, a inflação caiu de um pico de 6,4% para 4,3%, praticamente na meta. Saindo de patamar mais alto e sob expectativas inflacionárias piores, dificilmente atingirá a meta no ano que vem. Quem contar com a crise externa para isso corre sério risco de se decepcionar.
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2011
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