“A corrupção desequilibra as disputas eleitorais em favor dos corruptos.” Quem afirma é o procurador da República Deltan Dallagnol.
“Uma vez reeleitos, mantêm ou aumentam seus esquemas, gerando mais propinas, o que nos coloca num círculo vicioso”, completa o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba.
Desde que a Lava Jato virou modelo no enfrentamento à impunidade no Brasil, Dallagnol passou a viajar o País para palestras em que promove o combate à corrupção.
O fim do foro privilegiado, a criminalização do caixa 2 de campanhas, maior agilidade nos processos judiciais são bandeiras erguidas por ele nesses eventos. Neste ano, o foco são as eleições 2018. Para Dallagnol, o eleitor precisa fazer sua parte no combate à corrupção.
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“Enquanto houver grandes incentivos para a prática da corrupção nos ambientes político e empresarial, continuaremos perdendo”, disse o procurador.
Na última semana, ele esteve no Nordeste para participar de eventos e entre um aeroporto e outro concedeu entrevista exclusiva ao “Estadão”.
Nela, Dallagnol defendeu a eleição de políticos com ficha limpa, comprometidos com o combate ao colarinho branco e com a realização de reformas “que façam com que o crime de corrupção não compense mais no Brasil”.
Dallagnol tem ajudado a promover as Novas Medidas Contra a Corrupção, 70 propostas de alterações legais e medidas que servem para atacar a corrupção em 12 frentes. Fruto do trabalho de entidades da sociedade civil organizada, como a Transparência Internacional, e instituições como a Faculdade Getúlio Vargas (FGV), o movimento batizado de Unidos Contra a Corrupção reúne apoiadores das propostas em seu site, unidoscontraacorrupcao.org.br.
“Precisamos que o brasileiro se manifeste contra a corrupção por meio do voto consciente. Isso independe de partido político ou de ser conservador ou liberal.”
Leia a entrevista:
Estadão – O senhor tem defendido em palestras e manifestações pessoais a necessidade de o eleitor votar em candidato com ficha limpa, defensor da democracia e comprometido com propostas anticorrupção ? Por que decidiu fazer isso?
Deltan Dallagnol – Para a corrupção diminuir e proteger a Lava Jato. A responsabilização dos poderosos na Lava Jato e em outras operações é necessária para controlar a grande corrupção, mas não é suficiente. Enquanto houver grandes incentivos para a prática da corrupção nos ambientes político e empresarial, continuaremos perdendo. Se queremos virar esse jogo, é crucial que coloquemos no Congresso Nacional políticos comprometidos com a aprovação de leis que fechem as brechas por onde o dinheiro público escapa. Além disso, se colocarmos no Congresso pessoas que são investigadas, é natural que trabalhem contra as investigações e processos. É o que aconteceu na Itália e que leis foram aprovadas para garantir a impunidade dos poderosos. Por isso é essencial colocar no Congresso políticos com passado limpo. Sei que essa não é a única pauta da sociedade, mas é uma agenda importantíssima.
Estadão – A Lava Jato e outras investigações como ela correm risco?
Deltan Dallagnol – A Lava Jato corre grande risco depois das eleições. Enquanto o Congresso Nacional estiver cheio de investigados, a tendência é que ataquem as investigações aprovando leis contra elas. É o que aconteceu na Itália e é o que já tentaram fazer por aqui algumas vezes quando tentaram passar a anistia de caixa 2, uma lei de abuso de autoridade que amarrava investigações e projetos que impediriam delações. Neste fim de ano, quem perder o foro privilegiado pode entrar em desespero e os demais podem se sentir confortáveis para aprovar leis impopulares porque só haverá novas eleições depois de quatro anos.
Estadão – Quantos políticos a Lava Jato revelou ligados a irregularidades?
Deltan Dallagnol – Apenas a colaboração da Odebrecht mencionou 415 políticos de 26 partidos. Nas contas da imprensa, quase um terço dos senadores e ministros e quase metade dos governadores. Um político que decidiu colaborar afirmou que o esquema de nomeações políticas para arrecadação de propinas, que são usadas para enriquecimento dos envolvidos e financiamento de campanhas, existe há várias décadas. O que a Lava Jato revelou é um esquema político-partidário bastante espalhado que vai muito além da Petrobrás e que tem grande impacto nas eleições.
Estadão – Como a corrupção impacta nas eleições?
Deltan Dallagnol – A Lava Jato revelou que as propinas não só enriqueceram os envolvidos, mas também financiaram caras campanhas eleitorais. Estudos mostram uma correlação entre o dinheiro investido na campanha e o número de votos. Isso significa que a corrupção desequilibra as disputas eleitorais em favor dos corruptos. Uma vez reeleitos, mantêm ou aumentam seus esquemas, gerando mais propinas, o que nos coloca num círculo vicioso.
Veja-se que o ex-governador do Rio Sergio Cabral foi acusado de desviar para si mais de 300 milhões de reais. O custo médio da campanha para o governo do Rio de 2014 foi estimado, em julho daquele ano, em 186 milhões de reais para 7 candidatos, isto é, 26,5 milhões por candidato. O que aconteceria se Cabral investisse metade dos subornos na campanha? Teria chance para alguém?
A Lava Jato acusou o Partido Progressista de receber mais em propinas da Petrobras do que verbas do fundo partidário ao longo de uma década. De novo, há políticos íntegros e devem ser valorizados. Contudo, precisamos reconhecer que há uma seleção natural adversa que favorece os políticos corruptos, que sobrevivem e se multiplicam.
Estadão – Como o voto pode influir nesse combate à corrupção?
Deltan Dallagnol – Na Lava Jato temos feito o nosso melhor, mas sozinhos não vamos conseguir vencer a grande corrupção brasileira. É preciso que o eleitor faça a sua parte nas urnas. Não adianta reclamar da corrupção e eleger pessoas envolvidas até o pescoço nos esquemas. Se isso acontecer, os esquemas continuarão. Precisamos que o brasileiro se manifeste contra a corrupção por meio do voto consciente. Isso independe de partido político ou de ser conservador ou liberal. É importante elegermos um Congresso plural, que represente as diferentes visões da sociedade, e que ao mesmo tempo esteja comprometido com a integridade.
Estadão – A Lava Jato não ‘judicializa’ o debate eleitoral?
Deltan Dallagnol – O foco da Lava Jato não é a política, nem mesmo o caixa dois ou o financiamento das campanhas, mas sim o pagamento de propinas. A corrupção, a venda do serviço público, diz respeito à razão ou origem do pagamento. É sobre isso que a Lava Jato atua. Outra coisa é o destino do dinheiro. A propina pode ir para o bolso do político ou para a sua campanha eleitoral, tanto via caixa um como via caixa dois. Focamos na origem ou razão do pagamento, e não no seu destino. Por isso, a Lava Jato não judicializa ou criminaliza a política. A política pode e deve ser praticada sem cometer crimes. Existem políticos íntegros e devem ser valorizados. Agora não adianta querer culpar a Lava Jato pelos crimes que muitos decidiram praticar. Eles também devem estar debaixo da lei.
Estadão – Olhando a Lava Jato em perspectiva agora, o que ele deve ensinar ao eleitor na escolha do seu candidato?
Deltan Dallagnol – Olhando a Lava Jato em perspectiva, vemos que é muito difícil responsabilizar as pessoas mais poderosas, especialmente aquelas com foro privilegiado. Elas deveriam ser as primeiras a ser responsabilizadas para evitar que continuem a administrar a coisa pública quando provaram não ser confiáveis. Se você descobrisse que uma pessoa que presta serviços para você está roubando o seu dinheiro, você certamente encerraria essa relação. Do mesmo modo, o eleitor pode encerrar a relação com políticos corruptos, nas urnas. Por isso, espero que a Lava Jato incentive as pessoas a não reelegerem quem tem passado sujo. Esse é o modo mais rápido e prático de promover a sua responsabilização. Isso contribuirá também para que sejam investigados de modo mais eficiente, porque perderão o foro privilegiado.
Estadão – A Lava Jato provou que doações eleitorais e aos partidos foram usadas para lavar dinheiro de propina. E mesmo com as operações em sua fase mais pesada, crimes de corrupção continuavam ativos. O sr. acha que a corrupção e os desvios nas campanhas acabaram, após a Lava Jato?
Deltan Dallagnol – Eu acredito que diminuíram e é isso que temos ouvido por onde vamos. A Lava Jato promove um efeito educativo e inibidor. Na Mãos Limpas, a corrupção diminuiu também no curto prazo por medo de punição. Contudo, quando as investigações foram esvaziadas e como os incentivos para a corrupção foram mantidos, pesquisadores apontam que a corrupção voltou com força total. É esse o erro que devemos evitar no Brasil.
Estadão – Como frear de forma efetiva a corrupção e os ilícitos nas campanhas eleitorais, nos governos e partidos?
Deltan Dallagnol – Por meio de reformas que façam com que o crime de corrupção não compense mais no Brasil, viabilizando sua efetiva punição e a recuperação do dinheiro desviado, e por meio de reformas que mudem as condições que favorecem a corrupção no ambiente político e empresarial. As Novas Medidas Contra a Corrupção constituem um grande pacote de leis com potencial para romper o círculo vicioso da corrupção brasileira.
Estadão – Quais bandeiras deveriam ser prioritárias para os candidatos no combate à corrupção?
Deltan Dallagnol – Há muitas pautas importantes para o País, mas considero o compromisso contra a corrupção um requisito indispensável para o voto consciente. Dentre as medidas importantes, que fazem parte do pacote das Novas Medidas, estão a redução drástica do foro privilegiado, a desburocratização, a inserção do tema anticorrupção nas escolas, o aumento das penas da corrupção, a agilização de processos, a criação de instrumentos para recuperar o dinheiro desviado, o estímulo à democracia dentro dos partidos, a punição de partidos que se envolvem com corrupção, a criminalização do enriquecimento ilícito dos agentes públicos, a regulamentação do lobby e o aumento da transparência. E lá tem muito mais…
Estadão – Como investigador, que dica o senhor dá para um cidadão comum que queira estar atento nessas eleições?
Deltan Dallagnol – A primeira coisa que eu olharia é se o candidato preenche os requisitos da campanha Unidos Contra a Corrupção, se tem passado limpo, tem um compromisso com a democracia e apoia as Novas Medidas. Checaria o imposto de renda do candidato, que o eleitor pode acessar na página do Tribunal Eleitoral. Um ponto que deve levantar desconfiança é a declaração de altos valores em espécie, em dinheiro vivo. Por fim, verificaria qual foi o comportamento do candidato em relação a votações relevantes para a agenda anticorrupção: como se posicionou sobre as 10 medidas contra a corrupção, como votou em relação à cassação de parlamentares envolvidos em esquemas, como se colocou em relação à continuidade da acusação de corrupção contra o presidente Temer etc. Precisamos que os políticos mostrem sua postura ética com atitudes, mais do que com palavras.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”