Do lado de dentro, grandes empresários de comunicação da América Latina e jornalistas de perfil conservador discutiam a “liberdade de imprensa” e um imaginário risco de fim da democracia no Brasil. Do lado de fora, militantes de esquerda, vestidos de palhaços, ridicularizavam o “debate” que ocorria sem nenhum convidado que pudesse contradizer a tese central do encontro.
No hotel Golden Tulip, próximo à Avenida Paulista, em São Paulo, o evento promovido pelo Instituto Millenium reuniu 21 nomes – na maioria ligados a grandes conglomerados de comunicação -, a começar pelo empresário venezuelano Marcel Granier, proprietário da emissora RCTV, pelos colunistas Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo e pelo sociólogo e geógrafo Demétrio Magnoli, conhecido por criticar políticas de ação afirmativa no Brasil.
Representando o governo, o ministro das Comunicações e jornalista Hélio Costa, ex-estrela do jornalismo da Rede Globo, e o deputado federal Antônio Palocci (PT-SP). Também estavam entre os convidados os deputados federais e também jornalistas Fernando Gabeira (PV-RJ) e Miro Teixeira (PDT-RJ). Nenhum dos presentes pertencia a jornais alternativos ou tinha um discurso alinhado à esquerda no tema da comunicação.
A manifestação dos militantes não podia ser ouvida dentro da sala onde aconteceram as palestras, mas chamou atenção de jornalistas que cobriam o evento, de trabalhadores das redondezas e de alguns hóspedes do hotel. Mais de 20 manifestantes vestidos de palhaço – uns usando narizes de plástico, outros com meias na cabeça, pompons e calças balonés – participavam do protesto, alimentado por um megafone que repetia: “Respeitável público! Os palhaços estão aqui fora, mas o circo está lá dentro!??”
“Eles fugiram do debate na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação] e agora querem debater democracia e liberdade de expressão? Que liberdade é essa? Deve ser a liberdade do monopólio”, disse Altamiro Borges, secretário nacional de mídia do PCdoB.
“Ameaça latino-americana”
Na abertura do Fórum Democracia e Liberdade de Expressão – apoiado, entre outros, pelo movimento Endireita Brasil -, a fala de abertura do ministro Hélio Costa foi substituída por um discurso de Roberto Civita, presidente e diretor editorial do Grupo Abril – que publica, entre outros títulos, a revista Veja.
Civita disse que o fórum acontece em um momento oportuno, pois, para ele, há “ameaças ao processo democrático, tanto no Brasil quanto nos países vizinhos”. Nos primeiros minutos de sua fala, ele anunciou seus inimigos: as “Leis de Mídia” da Argentina (que proíbem a concentração de emissoras de rádio e TV por uma mesma empresa), propostas pelo governo de Cristina Kirchner, e as medidas de regulamentação e fiscalização da mídia na Venezuela. Para ele, as ações representam uma ameaça para a democracia brasileira – subentendida no discurso, estava a ideia de um “efeito dominó”, como se não houvesse mais democracia na Venezuela e na Argentina, mas ainda sim no Brasil.
Após mencionar os tópicos, Civita defendeu que a imprensa não pode ser regida por leis. “Quanto menos legislação, melhor, quando o tema é expressar-se”, alegou.
O equatoriano Carlos Vera, apresentado à plateia como um dos jornalistas de maior prestígio de seu país, começou afirmando que não há democracia no Equador. “Não há um presidente, mas sim um chefe de Estado, um ditador”, gritou. O atual ocupante do cargo, Rafael Correa, foi reeleito em maio de 2009 para um segundo mandato com 52% dos votos.
Quem encerrou as palestras foi o dono da RCTV, apresentado aos participantes apenas como “um empresário venezuelano”. Durante sua exposição, Granier não mencionou o golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez em 2002, apoiado pela mídia opositora, inclusive sua emissora. Durante um intervalo, o empresário tentou argumentar ao Opera Mundi que em 2002 não houve golpe, mas uma “renúncia” de Chávez.
Exemplo argentino
O jornalista Adrián Ventura, do jornal argentino Clarín, iniciou sua fala em tom de pânico, pedindo cuidado aos brasileiros para que não aconteça aqui o mesmo que aconteceu em seu país: a regulamentação do setor.
Ele se referiu várias vezes à Lei do Audiovisual, sancionada na Argentina no ano passado. Afirmou que, para aprová-la, o governo Kirchner fez uma “campanha feroz contra os meios de comunicação”.
Ventura acusou o governo argentino de perseguir o grupo Clarín, uma das maiores empresas de comunicação do país – que controla 70% do setor -, e concluiu dizendo que na Argentina “não existe monopólio da mídia”.
No intervalo entre as exposições, o jornalista disse ao Opera Mundi estar consciente de que a legislação vai descentralizar as emissoras – e reconheceu que isso “será ruim para seus proprietários”. Para Ventura, o governo criou a lei para para beneficiar “empresários amigos”.
http://www.operamundi.com.br/noticias_ver.php?idConteudo=3037
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