Cresci num Brasil de crises. Toda eleição era uma crise. As ameaças eram sempre parecidas: não será eleito; se eleito, não será empossado; se empossado, não governará. Isso saiu de moda. Mas ainda precisamos curar a esquizofrenia de um sistema que cria demandas contraditórias para o eleitor: nas majoritárias, empurra-o para o meio; nas proporcionais, para as pontas.
É muito para os eleitores, no mesmo dia, na mesma hora, na mesma cabine e com os mesmos dedos, fazer múltiplas escolhas com lógicas totalmente diferentes. O sistema político brasileiro é multipartidário, mas na eleição presidencial comporta-se como bipartidário. A criação do segundo turno acentuou essa tendência.
Atualmente, há dois candidatos absolutamente majoritários. A chance de um terceiro subir e passar para o primeiro ou o segundo lugar é remota. Pode acontecer, mas será algo tão raro quanto um vulcão conseguir fechar o espaço aéreo europeu.
Na eleição presidencial, a maioria dos candidatos no primeiro turno não tem nenhuma chance de ser eleita. A proporção de votos que cada um recebe vem ficando cada vez menor. Mesmo sem chance, alguns querem testar sua posição no mercado político, outros querem cacife para negociar no segundo turno ou marcar uma posição. (É o caso de Marina Silva, candidata de uma nota só: sua única plataforma é o meio ambiente.)
Numa eleição que acaba sendo bipartidária, o importante é conquistar a faixa do meio do eleitorado ? os indecisos moderados ?, já que as pontas (os mais crentes ou radicais) estão com suas escolhas feitas. Logo depois da abertura democrática, ninguém sabia disso, nem candidatos nem eleitores.
Collor versus Lula foi o primeiro teste. Ignorando a lógica do novo sistema, cada um radicalizou mais do que o outro. Nas duas eleições posteriores, o PT bateu na mesma tecla. Lula persistiu no radicalismo e perdeu, mas acabou aprendendo. Na eleição seguinte, o “sapo barbudo” transfigurou-se no “Lulinha paz e amor”. Quanto ao PT, não se sabe se já aprendeu.
Em 2002, os radicalmente petistas-lulistas ou serristas-peemedebistas já tinham seu voto definido. Os candidatos aprenderam que era bobagem preocupar-se com eles. As pontas estavam ganhas – ou perdidas. A partir daí, o importante era moderar as posições para conquistar aqueles eleitores que, ainda em cima do muro, podiam pender para um candidato ou para outro.
Na atual campanha estamos vendo que, apesar da tentação radical, que andou botando as mangas de fora durante a pré-campanha, os candidatos mostram o que já aprenderam. Ainda estão na fase da pirraça, mas a tentação diminuiu.
Se um candidato dá um passo em direção à faixa do meio, a atitude racional do outro é mover-se também para o meio, já que estão disputando os mesmos votos dos mesmos eleitores duvidosos. Mas a militância, entorpecida pelos sete anos de governo Lula, está se animando e tentando arrastar as campanhas e várias políticas públicas para a ponta radical. Os candidatos, porém, amadureceram. Desde que José Serra se declarou candidato, temos visto, quase sempre, que tanto ele quanto Dilma Rousseff têm tendido a se moderar. Pois o preço do radicalismo é a perda de votos.
A alta aprovação do governo Lula nas pesquisas mostra que o eleitor de 2010 quer conservar o que ganhou. Tem um interesse estabelecido. Se Serra puxar para a mudança, perde os votos dos muitos que estão satisfeitos com seus ganhos na economia. O reverso também é verdadeiro: se Dilma ameaçar ir para a ponta mais radical, alienará eleitores.
Uma surpresa: pela primeira vez, o eleitor brasileiro está mostrando sua cara conservadora, quer manter o status quo da economia. Eleitor de bolso cheio e com crédito na praça não quer saber de correr riscos.
Não há dúvida de que o tom raivoso da disputa Collor-Lula e a pirraça da disputa Lula-Fernando Henrique não encontram mais lugar numa eleição presidencial brasileira, que se vem tornando, de fato, bipartidária.
Por sua vez, o sistema que vigora para as eleições parlamentares (federais, estaduais e municipais) também está ficando fora de moda. Como todo sistema pluripartidário proporcional, puxa para a radicalização, pois o mais importante para os candidatos é não ficarem parecidos uns com os outros. Aumenta suas chances de vitória quem se diferenciar mais.
Os militares não entendiam muito de dinâmica eleitoral. No quartel manda quem pode, obedece quem tem juízo. Em política não é assim. Tentar mudar o sistema de múlti para bipartidário foi inócuo, porque as duas coisas estão relacionadas: o voto distrital conduz ao bipartidarismo e o proporcional perpetua o multipartidarismo. Hoje, com o tempo, sem alvoroço, chegamos àquele nas eleições presidenciais, mas permanecemos estacionados neste nas legislativas.
Difícil a reforma. Os políticos não querem o sistema distrital puro, já que nele não há espaço para radicalismo. Além disso, como nesse sistema os eleitos realmente representam seus eleitores, eles teriam de trabalhar mais. É possível – e desejável numa democracia – haver vários candidatos dentro de um distrito, mas a lógica do sistema tende a puxar os dois principais candidatos para o meio e marginalizar os outros, se houver. Estes são empurrados para as pontas, para disputarem os poucos votos radicais que não elegem ninguém.
O Brasil já está pronto para adotar o sistema de voto distrital, que reduz os riscos de radicalização e torna mais fácil montar maiorias parlamentares de apoio e oposição. A estabilidade política inerente ao sistema distrital é essencial para que o Brasil possa continuar na sua marcha para a estabilidade, pois só com ela poderemos ter mais justiça social. Falta convencer os políticos.
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 20/07/10
No Comment! Be the first one.