Se quatro em quatro anos, por ocasião das Copas do Mundo de futebol, milhões de pessoas pelo planeta afora têm a oportunidade de entrar em contato com uma das melhores realizações que o Brasil já foi capaz de pôr em pé – o Hino Nacional Brasileiro, tocado e transmitido globalmente antes do começo de cada jogo. É sempre um momento de sucesso garantido junto ao público. O time, no campo, pode ir melhor ou pior, mas o hino não falha nunca. Seus primeiros acordes já deixam claro para a plateia presente aos estádios que ela vai ouvir, nos instantes que se seguem, música de primeira qualidade no gênero; dali para a frente as coisas só melhoram. Ao se executar a última nota, todos os que prestaram atenção ao que estavam ouvindo ficam com a impressão de ter recebido um brinde inesperado antes do jogo: em vez da monotonia habitual dos hinos nacionais, em geral áridas arrumações de movimentos marciais que têm como característica mais notável o fato de parecerem todas iguais umas às outras, o que se ouve é uma das melodias mais vibrantes, calorosas e inspiradas que se podem escutar numa cerimônia oficial.
Não há um momento sequer de tédio no Hino Nacional; tudo ali é energia, emoção e vigor. Com quase 200 anos de vida, a peça composta por Francisco Manuel da Silva em 1822 mantém intactas até hoje todas as qualidades que fizeram dela uma das composições mais bem-sucedidas na história da música brasileira. Escrita originalmente em homenagem à Independência, e oficializada como Hino Nacional Brasileiro após a proclamação da República, a obra de Francisco Manuel tem um longo histórico de aplausos. Louis Gottschalk, o grande compositor americano do século XIX, que morreu no Brasil em 1869 e tinha entre seus admiradores Chopin, Liszt e Berlioz, considerava-a um dos melhores momentos da criação musical de sua época; em sua homenagem, escreveu a celebrada Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. É bom notar, também, que nas Copas do Mundo o Hino Nacional costuma ter competidores de primeiríssima linha, como agora – a começar, por exemplo, pelo extraordinário Deutschland Über Alles, o hino nacional da Alemanha, composto por ninguém menos que Joseph Haydn. Concorre, também, com grandes clássicos como o God Save the Queen, o hino não oficial da Inglaterra, e outros sucessos habituais como os hinos da Itália e dos Estados Unidos – isso sem falar na Marselhesa, da França, provavelmente o hino nacional mais conhecido do mundo. Não é fácil brilhar nessa companhia.
Mas e a letra? Já se falou mal o suficiente da letra do Hino Nacional para que se ganhe alguma coisa insistindo no assunto. Sua linguagem, provavelmente, já era antiquada na época em que foi escrita, 101 anos atrás; é confusa, às vezes absurda, e muito pouca gente consegue decorá-la direito, mesmo porque muito pouca gente entende o que ela está dizendo. Mas isso não afeta a melodia nem embaça o gênio de Francisco Manuel – que, por sinal, já estava morto quase meio século antes de colocarem palavras em sua música. Além do mais, a letra do Hino Nacional nunca causou prejuízo a ninguém – e, francamente, talvez nem seja pior que a média das letras presentes em hinos de outros países, em geral obcecadas por sangue, morte, canhões, tiranias e outros horrores. O mais prático, portanto, é deixar tudo como está, antes que venha a ideia de adotar uma nova letra através de concurso público. Com certeza teríamos muita saudade, aí, do lábaro estrelado e dos raios fúlgidos.
O que seria do futebol, principalmente em momentos de Copa do Mundo, se fosse proibido falar mal do técnico? Ou dos jogadores? E dos cartolas, então? O técnico Dunga acha injusto o tratamento que ele e sua equipe vêm recebendo da imprensa em geral; julga que tem sido visado porque acabou com entrevistas exclusivas, favoritismos em relação a este ou aquele veículo, “panelinhas” etc. Pode haver muito de verdadeiro nisso tudo, mas o problema é outro. Futebol é paixão, e a imprensa reflete a paixão da torcida – se ela aplica vaias selvagens aos seus próprios times, por que seria diferente com a seleção e seu técnico? Torcidas não são imparciais, e não esperam imparcialidade da cobertura esportiva. Não é justo, mas é o preço que Dunga e seus jogadores têm de pagar pela remuneração que recebem. Se vencerem, levam as batatas; se perderem, não levam. É a vida. Ao que parece, eles querem levar as batatas mesmo em caso de perda, por achar que têm “raça” e são “guerreiros”. Aí já fica difícil.
Fonte: Revista “Veja” – 23/06/10
BRILHANTE!!!! ( nem vou considerar o último parágrafo ).