O governo pode até tentar vender a ilusão de que o ministro da Fazenda Joaquim Levy deixou de embarcar na quarta-feira passada para Ancara, na Turquia, onde era aguardado para uma reunião com os responsáveis pelas 20 maiores economias do mundo, porque foi chamado pela presidente Dilma Rousseff para uma reunião de emergência. Pode jurar que Levy não estava nem aí para o temperamento expansivo do colega Nelson Barbosa, do Planejamento, autor de uma das ideias mais estúpidas da história da administração pública desde a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. Trata-se, evidentemente, do déficit superior a 30 bilhões de reais em 2016, previsto na proposta de orçamento encaminhada ao Congresso Nacional na semana passada. O governo pode tentar passar a impressão de que jamais faltou harmonia na Esplanada dos Ministérios. O fato, porém, é que a falta de fôlego, a perda de autoridade e a redução do espaço político haviam se tornando incômodas demais e Levy estava disposto a ir até o fim com uma decisão que havia tomado na terça-feira: a de enfiar a viola no saco e se mandar.
[su_quote]Levy pode não ser o ministro da Fazenda dos sonhos de ninguém. Ainda assim, é o último (e frágil) fio de credibilidade que ainda une um governo derrapante ao mundo real[/su_quote]
A notícia de que o ministro estava de saída logo se espalhou e o mercado reagiu com a crueldade habitual: o dólar disparou, a bolsa despencou e os negócios pararam. Só assim Dilma conseguiu enxergar uma das maiores obviedades do atual momento político brasileiro: Levy pode não ser o ministro da Fazenda dos sonhos de ninguém. Ainda assim, é o último (e frágil) fio de credibilidade que ainda une um governo derrapante ao mundo real. Com Levy firme na cadeira, a situação da economia é ruim. Com ele fora, o clima é uma mistura de “Deus nos acuda!” com “salve-se quem puder!”.
Dólar a R$ 5?
Levy decidiu ficar e o dólar fechou a semana cotado a R$ 3,86. É o valor mais alto dos últimos 13 anos. (Opa! 13? Esse número não lembra algo relacionado com as eleições?) Se o ministro da Fazenda tivesse realmente ido embora e, sobretudo, se seu substituto fosse Nelson Barbosa, a cotação da moeda americana talvez já estivesse batendo em R$ 5. Com o cenário movediço da economia, é difícil prever o que acontecerá nesta semana. Tudo dependerá dos gestos de Levy ao voltar da viagem à Europa (para onde embarcou depois de o governo anunciar que reina paz na equipe econômica). Ele certamente tentará consertar a trapalhada de Barbosa no orçamento e jogará as últimas cartas para tentar reduzir as despesas federais.
Sinfonia populista
Nos últimos dias, Barbosa havia vendido a Dilma a ideia de que ainda era possível, por meio da recriação da CPMF, arrancar mais dinheiro da classe média e tocar a vida adiante sem cortar um tostão nos gastos do governo. Trata-se de uma frivolidade que parece musica aos ouvidos de qualquer político populista — e que, no caso de Dilma, deve ter soado como uma sinfonia inteira. Deu no que deu. A presidente se mostra convencida de que meia dúzia de viagens ao Nordeste serão suficientes para restaurar a popularidade corroída pelos equívocos de seu governo. Levy pode não ser o melhor ministro do mundo. Mas pelo menos sabe que os problemas não desaparecerão no ritmo da realidade virtual criada pelos marqueteiros do PT e que, sem eliminar despesas, não existe CPMF capaz de trazer a situação de volta ao eixo. É preciso reduzir o custeio da máquina. Sem isso, a vaca, além de tossir como vem tossindo, marchará irremediavelmente para o brejo.
Fonte: Hoje em Dia, 06/09/2015.
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