Tudo somado e subtraído, aqui e lá fora, o Brasil hoje consegue crescer entre 2% e 2,5% ao ano, com inflação ao consumidor no ritmo anual de 6% e taxa de desemprego de 5,6% em julho último. Está bom ou ruim? Depende da comparação, não é mesmo? Espanha, Grécia e Portugal, por exemplo, quase não têm inflação, mas sofrem com recessão e desemprego acima dos 25%. Por outro lado, China, Coréia do Sul e Chile crescem mais, com menos inflação e menos desemprego. O México tem crescimento um pouco menor que o Brasil, mas também com inflação e desemprego menores.
A comparação, entretanto, não deve ficar ao gosto do freguês. Falando francamente, não tem cabimento comparar com os países europeus afetados por uma difícil combinação de crises financeira, fiscal e de contas externas.
O mais correto é olhar para países parecidos, emergentes de expressão e que têm capacidade de se tornarem ricos em um horizonte razoável. E neste caso, o Brasil está com o pé trocado.
Neste momento, alguns desses países estão reduzindo suas taxas de juros para combater a desaceleração do crescimento, que é geral no mundo emergente. Também estão acomodando a desvalorização de suas moedas, outro fenômeno global, aproveitando para turbinar as exportações.
Já por aqui, o Banco Central está subindo os juros e segurando o dólar, porque foi apanhado nesta mudança da conjuntura internacional com a inflação perigosamente elevada. E tem que subir os juros mesmo com o baixo volume de investimentos.
O que nos leva a outra comparação, a mais importante, do Brasil de fato com o Brasil que poderia ser. O país poderia estar melhor – e não está por equívocos internos de política econômica.
Talvez o principal ponto fraco esteja na falta de investimentos públicos e privados em infraestrutura. E a culpa por isso é inteiramente do governo, que nem consegue turbinar suas obras, nem criar condições favoráveis ao capital privado que está disponível aqui e no exterior. E bobeou com a inflação.
Eis o resumo da ópera: o Brasil está perdendo oportunidade de deslanchar. Não está bom.
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15 mil homens
Esta história me foi contada por um engenheiro-aquicultor da Costa Rica que, nos anos 80, integrou uma equipe de especialistas em cultivo de camarões, enviada à China. Missão: instalar as fazendas e ensinar o pessoal local. Coisa grande.
Os especialistas disseram que dava para fazer, mas com maquinário pesado. Isso incluía uma bateria de tratores bulldozer, operando 24 horas, para escavar e remover enormes volumes de terras.
Não temos esses tratores, disseram os chineses. E perguntaram quantos trabalhadores substituiriam os bulldozers. Uns 15 mil, foi a resposta, recebida com naturalidade pelos responsáveis chineses.
Já os aquicultores estrangeiros ficaram estupefatos quando, na data combinada, encontraram pronto o acampamento para 15 mil homens, que se apresentaram para o serviço uniformizados e armados com pás e picaretas. Assim foram instaladas as primeiras fazendas.
Na década de 90, a produção chinesa de camarões apareceu nas estatísticas globais. Nos primeiros anos deste século, a China já integrava, com Tailândia, Malásia e Vietnã, o grupo de países responsáveis por 70% das exportações mundiais de camarões.
E não apenas já utiliza máquinas pesadas, como fabrica aqueles bulldozers que faltavam nos anos 80.
Olhando por esse lado, não se pode negar que é um bom exemplo de uma história bem sucedida. O que os chineses tinham? Um país em ruinas por causa da revolução cultural de Mao, um monte de gente sem trabalho, sem renda e , ao milhões, sem comida.
Foi quando Deng Xiao Ping introduziu as reformas que abriram o país aos capitais privados estrangeiros e às iniciativas empreendedoras dos próprios chineses. Numa palavra: um modo capitalista de crescer, ao lado de um Estado forte e dominante em grande parte da economia.
Comparando hoje com a China dos anos 80, parece claro que a coisa deu certo.
Já olhando só para o presente, não faltam problemas, a começar pela enorme poluição – ao mesmo tempo crônica e aguda – incluindo as degradações ambientais causadas pelas fazendas de camarões. A corrupção no governo e no Partido Comunista é outro problema de grande proporção. O domínio estatal levou a investimentos ineficientes, exagerados e caros em diversos setores de infraestrutura. Os salários e o nível de vida continuam baixos, embora já tenha sido formada uma classe média consumidora. A desigualdade de renda aumentou. E não tem democracia.
Eles fazem e comem camarões, alguns, mas a que custo. Comparações?
Fonte: O Globo, 26/09/2013
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