A queda qualitativa da política é um fenômeno global, caracterizada pela carência de lideranças referenciais e pelo enfraquecimento do papel formador dos partidos. Enquanto a vida pública empobreceu, a iniciativa privada – especialmente após a queda do Muro de Berlim – floresceu de forma espetacular, ampliando as condições de conforto humano e a correlata satisfação material das sociedades contemporâneas. Sim, naturalmente, ainda há muita pobreza e desigualdade no mundo, mas negar os avanços econômicos que tivemos nas últimas décadas seria se curvar a uma cínica cegueira ideológica.
Sem cortinas, o triunfo globalizado do capitalismo liberal estabeleceu uma alta dominância do sistema financeiro no núcleo do poder político mundial, marcando uma acentuada concentração de renda em grupos econômicos hegemônicos e oligopolistas. Talvez a crescente necessidade de inclusão massiva de trabalhadores e consumidores às engrenagens do mercado tenha forçado a condensação de polos empresariais com vistas ao incremento da produção em larga escala. O fenômeno, no entanto, tem riscos consideráveis, especialmente face ao princípio da livre concorrência e da consequente aguda sobreposição pontual do mercado frente aos interesses da democracia política. E, sabidamente, o capitalismo não foi feito para ser um negócio de poucos.
Indo adiante, mais do que uma mudança político-econômica, estamos presenciando uma quebra do paradigma comportamental da sociedade humana. No modelo anterior, o conceito de propriedade era baseado na posse e no domínio físico de bens; atualmente, a economia está se desmaterializando, valorizando a criatividade, a imaginação e a inventividade tecnológica do pensamento humano. Nesse cenário dinâmico e pulsante, a juventude atual é absolutamente contra o autoritarismo de modelos impostos, que reprime sua infinita vontade de viver. Temos uma espécie de febre de ambições pessoais que tudo quer, mas, por sua múltipla desordem interna, pode simplesmente a nada chegar.
Mais uma vez, a humanidade está diante de um impasse entre o conservadorismo das estruturas de poder e a força transformadora da liberdade individual. Como bem aponta a lúcida visão de Moisés Naim, estamos diante de uma inevitável onda de inovações “que não será de cima para baixo, não será ordenada nem rápida, fruto de cúpulas ou reuniões, mas caótica, dispersa e irregular”. Portanto, dias de turbulência virão, trazendo consigo a luz da esperança com a desconfiança da novidade. Felizmente, entre um presente insatisfatório e um futuro possível, teremos a possibilidade de construir um modo de vida mais digno, humanamente mais rico e culturalmente inclusivo.
Para tanto, as instituições e os instrumentos da política também deverão ser revitalizados de forma a bem atender uma sociedade mais bem informada e mais critica dos seus direitos. A estratégia de isolar o povo em uma manobrável massa de ignorância está superada pela internet e suas tecnologias de informação. No entanto, o sucesso da experiência democrática passa obrigatoriamente pelo resgate do ensino público de qualidade que seja capaz de formar uma nova geração bilíngue e, por assim ser, capaz de explorar com profundidade o infinito cultural hoje disponível aos cidadãos do mundo. O direito à internet gratuita deveria ser elevado a cláusula constitucional fundamental, impondo aos governos o dever de oportunizar o seu acesso universal.
O tempo pode passar, mas a velha máxima do investimento educacional segue sendo a melhor alternativa para a ascensão social, melhora dos níveis de renda, ganhos de produtividade e materialização dos sonhos da infinita capacidade humana. A retomada do ensino passa por uma reformulação do processo pedagógico, mediante a criação de técnicas de ensino que consigam captar o foco do aluno, elevando sua capacidade de concentração e raciocínio em temas progressivamente complexos. O desenlace da complexidade, além do diálogo esclarecedor entre professor e aluno, exige a prática do pensamento crítico, mediante um processo de livre manifestação de ideias, plena abertura às diferenças de visões e estímulo à firmeza para assumir posições claras.
A democracia não é um simples jogo de respostas certas, mas um complexo e interminável sistema de aprimoramento coletivo. Logo, em vez do sim ou não, devemos procurar os porquês. Às vezes demora, não é fácil, fazendo muitos desistirem. Todavia, o querer autêntico é uma força irrefreável e, assim, cedo ou tarde, a perseverança premia o esforço bem executado. Enquanto isso, no desenrolar dos acontecimentos, a estabilidade instável surgirá com um novo consenso revogável. Aqueles que gostavam da segurança terão que aprender com os desafios da impermanência. Nunca vivemos tanto e com tantas possibilidades. A hora é da coragem de viver e ajudar a fazer a diferença. Vem ou está com medo?
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