“Querem, mais uma vez, subverter o espírito público”. Essa é a percepção de Sebastião Ventura, especialista do Instituto Millenium e advogado especializado em direito do Estado, sobre a possível readmissão de servidores públicos que aderiram aos programas de demissões voluntárias (PDVs) desde a década de 1990.
Dois projetos de lei (PL) de readmissão tramitam na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara: o PL 7.546/2010 e o PL 4.293/2008. As propostas serão votadas no próximo mês na comissão. Em caso de aprovação, seguirão para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois para o plenário.
A aprovação dos projetos significaria um aumento do já inchado orçamento da União, no momento em que o país precisa reduzir os gastos. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, os recursos destinados ao pagamento da folha das empresas estatais saltou de R$ 3,5 bilhões para R$ 7,3 bilhões, no período de 2009 a 2014. “O Estado brasileiro sofre de obesidade mórbida”, avalia o advogado. Leia a entrevista com Sebastião Ventura:
Instituto Millenium: Qual é a sua opinião sobre as readmissões?
Sebastião Ventura: Acho o tema absolutamente problemático. O fato é que essas demissões e aposentadorias incentivadas estão consolidadas no tempo, traduzem ato jurídico perfeito, sendo, regra geral, imodificáveis em seus termos e condições. Se houvesse uma necessidade extraordinária que justificasse a recontratação, seria possível pensar em algum regime jurídico de exceção em nome do interesse público. Parece, todavia, que não é essa a situação. Ao contrário. Existe no ar um perceptível odor de que interesses políticos e classistas de ocasião querem, mais uma vez, subverter o espírito público para fins distantes da melhor legalidade positiva.
Imil: A readmissão desses funcionários públicos é constitucional?
Ventura: A matéria é complexa. Conforme já destacado, as demissões e aposentadorias incentivadas configuram ato jurídico perfeito e acabado. Neste contexto, eventual recontratação, se possível, deveria se dar por concurso público, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal. Mais: como ficariam as aposentadorias já concedidas? E os valores indenizatórios recebidos seriam devolvidos? Até que ponto as verbas recebidas não teriam finalidade alimentar e, assim, irrepetíveis? Enfim, as questões jurídicas envolvidas são densas e estão longe de serem lineares. E, aqui, mais um detalhe: em vez de complicar ainda mais a realidade brasileira, não seria função do Estado simplificar os procedimentos públicos, elevando a eficiência, a meritocracia, a clareza e a isonomia dos atos estatais?
Imil: Do ponto de vista político, o que os apoiadores dessa proposta pretendem? Quem ganha caso as readmissões aconteçam?
Ventura: Bem, os interesses em jogo não estão claros. E isso, por si só, já é um mau indicativo. Aliás, a reforma administrativa – que o Brasil tanto precisa – passa necessariamente por um encolhimento da máquina pública, em todas as suas esferas. O Estado brasileiro sofre de obesidade mórbida. Incompreensivelmente, alguns políticos parecem ignorar a grave realidade de nossas contas públicas. Não é à toa, então, que, para muitos cidadãos, Brasília não passa de uma terra de fantasias políticas com o suado dinheiro do povo. Ora, até quando pagaremos a conta de leis mal feitas, que prejudicam muitos e beneficiam poucos?
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