Enquanto corre contra o tempo para tentar renovar por três anos o acordo de ajuste fiscal com a União, que vence no próximo dia 5, o governo estadual terá de vencer mais uma pedra no caminho. No último relatório do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) sobre as contas do Rio, elaborado este mês, técnicos apontam que o estado não tem cumprido as metas firmadas com o governo federal. Com base em dados de junho, eles estimam que a frustração do ajuste fiscal — ou seja, o balanço das metas não atingidas —pode chegar a R$ 9,3 bilhões em dezembro. Sem alcançar as metas, fica mais difícil para o Rio emplacar a tese de que os termos do ajuste fiscal podem ter renovação automática.
No relatório, ao qual O GLOBO teve acesso, a equipe técnica do conselho alerta que algumas das 20 medidas de ajuste, pactuadas em 2017, de caráter pontual e permanente, devem chegar ao fim do ano sem ter sido honradas ou parcialmente atingidas. De setembro daquele ano até o último mês de junho, a meta era conseguir R$ 26,6 bilhões, entre aumento de receitas e cortes de despesas. Mas faltaram R$ 5,3 bilhões para fechar a conta. Até maio, o valor que deveria ter sido alcançado era R$ 25,6 bilhões, mas o Rio ficou devendo R$ 4,9 bilhões em metas não atingidas. Com isso, foi feita uma projeção de que, no fim do ano, o total de metas descumpridas corresponderá a R$ 9,3 bilhões.
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— Isso mostra que as metas estabelecidas pelo plano ficam cada vez mais distantes. A frustração é o que faltou para atingir o valor firmado no acordo, levando em consideração o que conseguiu aumentar de receitas e o que conseguiu reduzir de despesas. O governo estadual teve mais de um ano para adotar medidas estruturais mais rígidas, e não o fez— explica o economista André Luiz Marques, do Insper, que acompanha o regime. — A saída é o estado sugerir revisões do plano que sejam aceitas pela União. A proposta que foi encaminhada não evoluiu.
Tempo curto
Mas o tempo é curto para refazer uma proposta. Falta menos de um mês para o fim do prazo de vigência do acordo. Entre as medidas de ajuste que o Rio não conseguiu cumprir está a licitação das linhas de ônibus intermunicipais, que renderia um valor em outorga para o caixa estadual. Porém o conselho não acredita mais que a operação seja possível. Outra medida não efetivada foi a renovação da concessão da CEG e da CEG-Rio. Embora caminhe lentamente, a modernização fazendária, outra exigência, também não pode ser considerada como meta cumprida.
— É preciso haver o ajuste do ajuste. Desde a origem, o que está previsto no acordo era difícil de cumprir. O ajuste é muito duro, difícil de implementar. Vivemos uma situação de guerra, ainda mais neste momento de pandemia, em que cada um tenta salvar a própria pele. O programa deve ser repensado e adaptado à situação que estamos vivendo — diz o economista Raul Velloso.
Para tentar convencer o governo federal, o estado já protocolou um ofício na Advocacia-Geral da União (AGU) pedindo que seja revisto um parecer da Procuradoria-Geral do Tesouro Nacional (PGTN), acolhido pelo Conselho de Supervisão. A Procuradoria-Geral entende que a prorrogação não é imediata, como defende o governo do Rio. Com o novo relatório, a tese de que é preciso repactuar metas num novo plano ganha força. Depois de passar por várias instâncias técnicas, esse pedido do Rio só poderá ser aceito, ao final, com o aval do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente da República, Jair Bolsonaro.
Para tentar resolver o impasse, o secretário estadual de Fazenda, Guilherme Mercês, passou a quinta-feira em Brasília, em reunião na AGU. Ele teme que alguns serviços públicos sejam prejudicados se o regime de recuperação fiscal não for renovado ainda em setembro. Graças ao acordo, o Rio não paga prestações da dívida com a União, de cerca de R$ 2 bilhões mensais.
— O estado entende que não há qualquer motivo para o Rio ser excluído do regime porque não há descumprimento de cláusulas, não é necessária a criação de um novo plano e a realização desses trâmites. Estamos confiantes de que a Advocacia-Geral da União também avaliará dessa forma. O prejuízo aos cofres do estado seria ainda maior se não estivéssemos, até dezembro, cobertos pela Lei complementar 173 (que não é tão abrangente quanto o RRF, mas permite a todos os estados adiar o pagamento de dívidas com a União).
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Prestação de quase R$ 2 bi
Nas contas da Secretaria do Tesouro Nacional, sem o RRF, o Rio precisará desembolsar uma prestação de R$ 1,98 bilhão em outubro (valor do serviço de sua dívida pública). A Secretaria do Tesouro pediu um estudo à sua procuradoria-geral para avaliar se o Rio poderia se beneficiar da lei de auxílio às unidades da federação por causa da pandemia, que suspende o pagamento das dívidas dos estados até o fim do ano.
“As duas leis são complementares (a do RRF e a da pandemia). Têm o mesmo valor. Estamos querendo saber o que prevalece se não houver a prorrogação”, afirma a Secretaria do Tesouro Nacional. Na hipótese de ser excluído da RRF, o Rio teria que pagar em janeiro R$ 2,8 bilhões. Se conseguir se manter no ajuste, pagará apenas R$ 78 milhões.
Se tudo isso ocorresse em outubro, a Secretaria de Fazenda calcula que teria que pagar R$ 1,9 bilhão só com débitos não cobertos pela lei da pandemia, como os do antigo Banerj com o Banco Central. Cálculos à parte, o Conselho de Supervisão voltou a bater na tecla da venda da Cedae, também prevista no ajuste, e se queixou da falta de informações sobre o processo de privatização da companhia, que foi lastro para um empréstimo junto ao BNP Paribas que hoje gira em torno de R$ 4,5 bilhões.
Fonte: “O Globo”