O Estado do Rio já comprometeu uma arrecadação futura de R$ 128,5 bilhões em royalties da produção de petróleo com o pagamento de aposentadorias. Esses recursos compõem o patrimônio do Rioprevidência, fundo de previdência dos servidores estaduais. O valor equivale a 13 vezes a arrecadação do estado com royalties e participação especial este ano. Diante de um déficit atuarial que soma R$ 5,4 trilhões, outros estados e municípios têm buscado capitalizar seus fundos com esses direitos. Apesar de legal, o uso dos recursos gerados pelo petróleo para este fim não é consenso entre especialistas.
Segundo o Rioprevidência, há mais de uma década, o governo do Rio cedeu à entidade, de forma definitiva, todos seus direitos a royalties. Por isso, o regime próprio de previdência (RPPS) do Rio é o único do país a incorporar esses recursos ao seu patrimônio, ao lado de investimentos no mercado financeiro. Isso significa que os royalties que entrarão no caixa do governo estadual não poderão ser aplicados em investimentos ou em áreas como saúde e educação. Servirão para garantir o pagamento de benefícios. O patrimônio do Rioprevidência com receitas futuras de royalties cresceu 150% desde 2011.
Na semana passada, a Câmara de Vereadores do Rio autorizou a prefeitura a antecipar R$ 300 milhões de royalties para financiar o fundo de previdência. Em agosto, o Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte suspendeu a tentativa de antecipação de R$ 162 milhões de royalties pretendida pelo governo potiguar, alegando irregularidades na operação. O estado recorreu na Justiça, mas ainda não há decisão.
Leia mais:
Bernardo Bonjean: O que esperar de Brasília a partir de janeiro?
José Eduardo Faria: O Brasil pós-eleição
Daniel Alvão: Reflexões sobre função e estrutura do Estado (governo) do Brasil
‘Distorção previdenciária’
Na avaliação de Luís Eduardo Afonso, professor da FEA-USP, o uso de royalties perpetua o que ele chama de distorções previdenciárias:
– É o remédio errado para um outro problema. O real é que gastamos muito com previdência. Ao usar royalties para isso, atrela-se uma receita temporária e volátil, que é uma riqueza da sociedade, a um gasto permanente e previsível de um regime que precisa de mudanças. É um retrato de nossa incapacidade de fazer uma reforma previdenciária – criticou o economista.
Apesar de apresentar um déficit financeiro de quase R$ 2 bilhões em sua previdência, o Espírito Santo – segundo estado que mais recebe royalties – não utiliza os recursos para capitalizar seu RPPS, tampouco planeja usá-lo, segundo o secretário de Fazenda, Bruno Funchal:
– A prioridade é vincular esses recursos, que são finitos, a investimentos, de forma a beneficiar gerações futuras.
Cidades menores, porém, estão vislumbrando capitalizar seus fundos com royalties e realizar antecipação de recursos. Segundo Heliomar Santos, presidente da Associação Nacional dos Regimes Próprios (Aneprem), municípios da Baixada Fluminense como São João de Meriti – cujo RPPS ele dirige – e Nova Iguaçu têm planos nesse sentido.
– Entre os municípios, o uso de royalties para capitalização do fundo tem sido alvo de discussão. Mas, por causa do que já aconteceu no Rio no passado, quando os royalties caíram, muita gente está reticente – disse.
+ Marcel van Hattem: “Não é possível sustentar a máquina pública como é concebida”
Em 2015, auge da crise financeira do Rio, parte dos recursos do Rioprevidência chegou a ser bloqueada porque a queda da cotação do petróleo levou à diminuição da receita com royalties. O RPPS havia captado recursos no exterior com a antecipação de royalties, e o contrato previa bloqueio em caso de descumprimento de cláusulas como um fluxo mínimo de pagamentos.
Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, defende o modelo de capitalização via royalties feito pelo Rioprevidência. Ele explica que a maioria dos estados e municípios evita fazer isso porque a medida reduz o limite de gastos com pessoal dos estados.
– Ao usar royalties como fontes livres para a previdência, não é preciso excluí-los da receita corrente líquida (recursos disponíveis). Isso permite gastar mais com pessoal e se endividar. Não é a forma adequada – critica o especialista.
Segundo Celso Steremberg, da Associação das Consultorias de Investimentos e Previdência, também está em curso um movimento de monetização de imóveis para rentabilizar regimes próprios pelo país. Em 2016, esses ativos somavam R$ 1,77 bilhão nos balanços dos RPPS.
Fonte: “O Globo”