Leia abaixo o editorial “A imprevidência brasileira”, publicado nesta quarta-feira, dia 3 de maio, pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.
A maioria absoluta dos brasileiros – 90% – não investe em previdência privada e apenas 38% têm alguma forma de poupança ou investimento, mostrou recente pesquisa do Datafolha. Esses números são o retrato de um país em que poucos se preocupam em poupar para o futuro. Não é por outro motivo que, na mesma pesquisa, mais de 70% dos entrevistados se disseram contrários à reforma da Previdência, pois essa reforma tornará um pouco mais restrito o acesso à aposentadoria. Pode-se inferir que a maioria dos contrários às mudanças são justamente aqueles que não se precaveram para o momento em que deixarão de trabalhar e ter renda.
O atual modelo de Previdência – bancado pelo conjunto dos trabalhadores na ativa e também pela sociedade em geral, quando há déficit a ser coberto – desestimula a poupança porque há a expectativa de usufruir, precocemente, de benefícios que deveriam ser reservados àqueles sem condições de trabalhar em razão da idade avançada. A idade média dos homens brasileiros que se aposentam é de 59,4 anos, enquanto nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média é de 64 anos. No México, são 72 anos, e no Chile, 69.
Ademais, a Previdência é generosa com seus beneficiários. No Brasil, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e o salário) é, em média, de 76%, contra 56% na Europa, segundo dados do Ministério da Fazenda.
É evidente que a Previdência não é o único fator a inibir a formação de uma cultura de poupança no Brasil. Na verdade, o sistema previdenciário talvez seja apenas a parte mais vistosa de um amplo conjunto de benefícios que o Estado, à custa de sua própria solvência, é obrigado a entregar aos cidadãos conforme mandam a atual Constituição e diversas leis ordinárias.
Os legisladores do País costumam ser criativos quando se trata de inventar maneiras de fazer o Estado bancar benesses inexplicáveis. O resultado é que vivemos numa “república da meia-entrada”, na qual os grupos organizados da sociedade conseguem arrancar do Estado “direitos” que não podem ser discutidos, pois integram o que o discurso populista convencionou chamar de “justiça social”, cujo questionamento é equiparado a blasfêmia.
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Quanto mais “direitos”, porém, menor é a chance de que a efetiva justiça social, sem aspas, seja feita. Não há nenhum paradoxo aí. Os “direitos” que as minorias organizadas defendem como compensações por séculos de desigualdade social na verdade atuam para ampliar o fosso entre ricos e pobres no Brasil. Obrigado a cumprir todas as exigências previstas nas muitas leis que visam a preservar os “direitos” dos aposentados, dos trabalhadores, dos estudantes, dos servidores públicos e de outros tantos beneficiários organizados, o Estado torna-se financeiramente incapaz de fornecer os serviços públicos que são utilizados majoritariamente pela população mais pobre, supostamente defendida pelos movimentos sociais que vivem de reivindicar os tais “direitos”. O fato de que metade do País ainda não dispõe de saneamento básico deveria bastar para comprovar esse terrível efeito colateral da generosidade estatal.
Num ambiente como esse, em que a aritmética perde feio para a demagogia, a cultura da poupança dificilmente vinga, pois há poucas razões para que o indivíduo se disponha a guardar dinheiro se o Estado, por lei, se compromete a bancar todas as necessidades básicas dos cidadãos, e também vários privilégios para alguns. A taxa de poupança brasileira é uma das mais baixas entre os países emergentes. Nos últimos anos foi pouco superior a 15% do PIB, enquanto na China é de cerca de 50%.
Sem poupança interna, o País é obrigado a recorrer à poupança externa, ou seja, tem de se endividar, pagando juros altos, para honrar seus compromissos e fazer os investimentos necessários para seu desenvolvimento. Também é obrigado a aumentar impostos – o Ministério da Fazenda calcula que a manutenção do atual sistema previdenciário representará um aumento de quase 10% da carga tributária nos próximos dez anos.
Enquanto houver estímulo ao consumo e à imprevidência, como querem os populistas, será praticamente impossível romper esse círculo vicioso que nos condena à mediocridade.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”
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