Não são só as estatais federais que estão no radar do ambicioso plano de privatizações da equipe econômica. As empresas controladas pelos estados também serão alvo de políticas em elaboração pelo time do ministro da Economia, Paulo Guedes. Embora a aprovação de venda de empresas públicas nos estados dependa de aprovação via assembleia, a União pode incentivar a venda de ativos no pacote de socorro aos entes da federação que está sendo preparado pelo Tesouro Nacional.
De acordo com fontes da equipe econômica, uma das possibilidades é que estados que apresentem planos de privatização tenham benefícios a mais no pacote que prevê uma antecipação de recursos frente a um programa de ajuste fiscal. A ideia ainda está em fase inicial, segundo um técnico, que ainda não tem detalhes sobre como essa medida seria operacionalizada.
Hoje, segundo levantamento feito a pedido do GLOBO pelo Observatório das Estatais, da FGV, existem hoje 240 empresas públicas ou de economia mista sob controle dos estados no país. Desse total, 74 (ou 30% do total) estão nos sete estados que já decretaram calamidade financeira, incluindo Rio e Minas Gerais. Só no Rio, são 25. Estão nessa lista, por exemplo, Cedae e Emop, de obras públicas. O levantamento não levantou o valor de mercado das companhias, uma estimativa considerada muito difícil por vários especialistas do setor.
Na avaliação do economista Márcio Holland, diretor do Observatório de Estatais, há um excesso de estatais no país, principalmente nos estados. O número de empresas públicas nos entes é bem superior às 135 estatais federais. O governo ainda não tem um balanço oficial sobre o número de estatais estaduais. Ele afirma que, além da discussão sobre o impacto fiscal da venda de ativos, privatizações podem melhorar a governança das empresas e diminuir indicações políticas. Para o economista, faz sentido incluir o incentivo da vendas em um programa de ajuda aos estados.
– É um mecanismo muito poderoso, que deveria ser incluído nesse mecanismo dos entes federados – afirma Holland.
Recorrer ao BNDES
Seja na União ou nos estados, no entanto, privatizações historicamente sofrem resistência. Parte das críticas envolve a avaliação de que os ativos podem ser subavaliados. No Rio, o processo de venda da Cedae foi interrompida por decisão da Alerj. Em Minas Gerais, outro estado em grave crise fiscal, o governador Romeu Zema (Novo) promete privatizar a Cemig, de energia elétrica, mas após a posse tem dito que, antes, precisa recuperar a companhia. No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB), já chegou a descartar a venda do Banrisul, mas considera privatizar a CEEE (energia) e a CRM (de mineração).
O desenho do incentivo às privatizações nos estados deve ser alinhado pela Secretaria do Tesouro Nacional e pela nova Secretaria de Desestatização e Desinvestimento, comandada por Salim Mattar. No mercado, a expectativa sobre o que será feito com as estatais estaduais tem provocado interesse.Na avaliação do economista Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, o principal ator do governo para viabilizar a privatização de estatais nos estados deve ser o BNDES. Ele considera que esse deve ser o principal mandato do banco público nos próximos anos.
– O país está desperdiçando uma oportunidade em não levar o envolvimento maior do BNDES no processo de privatização. Tem mais que 2.800 funcionários, mais que 700 técnicos e é possivelmente a instituição que tem mais competência técnica para avançar um programa dessa complexidade – afirma.
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Enquanto isso, a leitura é que o processo nas estatais federais deve ser lento e gradual. Desde que assumiu o cargo, Mattar deu raras declarações públicas sobre o assunto. De um total de 45 compromissos públicos registrados na agenda desde o fim de janeiro, mais da metade (26) foram despachos internos. Procurado, Mattar não se pronunciou.
Na avaliação de Gustavo Gusmão, diretor executivo de infraestrutura da EY, já existe uma apreensão do mercado para sinalizações mais concretas do governo sobre o programa de privatizações. No entanto, a expectativa é de que números mais concretos só sejam revelados após o avanço da reforma da Previdência.
Na MIRA PARA VENDA
Fonte: Observatório de Estatais
– Existe já uma apreensão do mercado, uma expectativa para enxergar esse fluxo de privatizações. Já seria necessário e possível apresentar isso. Comparando com o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, voltado para concessões), pouco tempo depois do anúncio já se teve acesso a quais projetos e quais setores seriam contemplados – avalia. – Mas ao mesmo tempo, tem uma dependência da reforma da Previdência. Anunciar um programa muito no detalhe neste momento pode obrigar o governo, num horizonte de alguns meses, a redesenhar tudo.
O ministro Paulo Guedes tem dito que pretende arrecadar mais de R$ 1 trilhão com a venda de estatais. Outro montante de R$ 1 trilhão seria levantado com a venda de imóveis. Ainda não há detalhes sobre o cronograma completo, com exceção do plano de abertura de capital de quatro subsidiárias da Caixa Econômica Federal, que deve arrecadar R$ 15 bilhões, e da privatização da Eletrobras, que deve render aos cofres públicos ao menos R$ 12,8 bilhões, uma estimativa que o governo já admite ser conservadora.
Na avaliação de Elias de Souza, líder de serviços públicos e governo da Deloitte, é preciso ainda aguardar para ver qual será a modelagem de privatizações escolhida pelo governo. Ele lembra que cada caso é um caso e há várias opções de desestatização, incluindo concessões e parcerias público-privadas, por exemplo.
– A gente está numa fase de avaliar qual é o valor dos ativos, e qual é a melhor solução para eles – afirma o analista.
Mauro Moura, consultor do Veirano Advogados, também destaca que o trabalho será demorado, pois cada caso deverá ser analisado individualmente.
– Me parece mais importante nesse campo é que antes de escolher qual é a fórmula que vai ser utilizada, preste atenção nas condições de cada serviço que quer privatizar. Uma análise caso a caso.
Fonte: “O Globo”