Nos últimos anos, várias hipóteses foram levantadas para explicar a lenta recuperação das economias avançadas após a crise financeira iniciada em 2007. Uma delas foi a da estagnação secular, segundo a qual o lento crescimento a partir de 2008 não era a exceção, mas o “novo normal”. Diferente, fora do comum, fora o período anterior, de rápido crescimento, que só fora possível graças à frouxa política monetária dos países desenvolvidos, em especial dos EUA, a qual acabou gerando a própria crise financeira.
A nova normalidade seria essa: o crescimento só aceleraria se a política monetária fosse muito frouxa, mas isso estimularia o surgimento de bolhas, que quando explodissem gerariam novas crises. Os baixos juros longos nas principais economias seriam a confirmação dessa hipótese, pois refletiriam a expectativa do mercado de que a inflação e o crescimento permaneceriam muito baixos por muito tempo.
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Em setembro de 2014 publiquei neste espaço um artigo apresentando essas teses, no qual manifestei meu ceticismo em relação à hipótese da estagnação secular (http://bit.ly/2DXcW5Y). Na ocasião, apontei minha descrença de que os juros baixos refletissem a “perspectiva do mercado”. Como coloquei então, eu duvidava “que as taxas de juro a termo estivessem tão baixas sem as massivas intervenções públicas no mercado de títulos”, observando ainda que “a busca por retorno levou os investidores a assumir mais riscos, inclusive o de duração (duration)”. Citei também o efeito deflacionário das exportações chinesas como uma explicação ignorada nessas análises, como, de resto, tudo mais que acontecia fora das economias desenvolvidas.
Desde então, os juros permaneceram baixos, sugerindo a validade da tese da estagnação secular. Por outro lado, porém, também as intervenções das autoridades monetárias nos mercados de títulos continuaram imensas, com as compras do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco do Japão aumentando muito e influindo inclusive no retorno dos títulos americanos. Hoje, mais de um quinto de toda a dívida pública dos países ricos está nas mãos dos seus bancos centrais, somando mais de US$ 9 trilhões. Isso ajuda a explicar porque os indicadores de condições financeiras continuaram melhorando e a bolsa subindo, em que pese o Fed estar gradualmente elevando os juros.
A partir deste ano, porém, é possível termos um teste mais efetivo da hipótese da estagnação secular.
Primeiro, e mais importante, porque a intervenção das autoridades monetárias no mercado de títulos deve diminuir. Segundo estudo do JP Morgan reportado no “Financial Times”, em 2018 o Fed deve deixar de rolar US$ 222 bilhões em títulos públicos na sua carteira, enquanto as compras do BCE devem cair para US$ 221 bilhões, contra US$ 622 bilhões em 2017 (http://on.ft.com/2DtSsBg). Até o Banco do Japão anunciou recentemente uma pequena redução nas suas compras mensais de papéis. Ao mesmo tempo, a emissão de novos títulos pelos governos deve aumentar. O resultado é que o volume de papéis que terá de ser absorvido pelo setor privado este ano deve chegar a US$ 255 bilhões, contra uma redução de US$ 532 bilhões em 2017. Ou seja, enquanto em 2015, 2016 e 2017 as compras de títulos públicos pelos Bancos Centrais superaram em muito a emissão pelos Tesouros nacionais, em 2018 o inverso vai ocorrer e em volume significativo.
Segundo, porque com a alta dos juros curtos, a partir da subida dos juros de política pelo Fed, o prêmio de duração ficou menos recompensador. A diferença entre o retorno de um título americano de 10 anos e outro de 2 anos caiu de 1,30 ponto percentual (pp) há um ano para 0,53 pp semana passada. Com os juros curtos de volta acima da inflação, ficou menos custoso manter-se líquido à espera dos acontecimentos.
Terceiro, a partir das reformas estruturais promovidas pelo governo chinês, que reduziram significativamente o excesso de capacidade produtiva em diversos setores, a China tende a deixar de exportar deflação. De fato, já há algum tempo a inflação de preços ao produtor no país registra 5% ou acima, depois de vários anos no negativo. Junto com o maior crescimento global e o mercado de trabalho no ou perto do pleno emprego nos EUA, Alemanha e Japão, isso pode fazer com que a inflação de preços ao consumidor volte ao radar em 2018.
Um aumento mais forte dos juros longos pode impactar significativamente a economia mundial. Pode, por exemplo, levar a uma queda significativa das bolsas, enfraquecer a construção imobiliária, elevar o déficit público dos países ricos etc. Nos países emergentes, pode levar a uma crise séria de financiamento corporativo e desacelerar a economia.
Obviamente, os bancos centrais dos países ricos estão de olho em tudo isso e não vão deixar os juros longos dispararem, o que significa que vão calibrar cuidadosamente sua saída do mercado de títulos públicos. Ainda assim, a tendência dos juros longos deve ser para cima. A menos, claro, que a hipótese da estagnação secular esteja certa e os juros logo retornem ao baixo patamar dos últimos anos.
Fonte: “Valor Econômico”, 02/02/2018