Comemorou-se na semana passada a Independência do Brasil, ao mesmo tempo que a imprensa rememorava “o dia em que o Brasil quebrou”, há 30 anos, um fato bastante ilustrativo, então, de que a independência política não é suficiente para blindar a nossa soberania contra sérios arranhões.
Como ficou evidente no trabalho rememorativo sobre a crise da dívida, em vários jornais, o Brasil teve de engolir sapos para sair do sufoco – o governo brasileiro, suas ilustres e fanfarrônicas autoridades da época, a Nação enfim. E sobrou para o povo. O aperto de cinto de quase 25 anos para pagamento da dívida em prestações, afinal negociado, prejudicou o crescimento econômico, a criação de empregos e o desenvolvimento em geral, durante décadas.
A famosa “década perdida”, dos anos 80, de baixo crescimento econômico, seguiu-se a um longo período em que o Brasil foi uma das economias mais dinâmicas do mundo: quase seis décadas com 6% a 7% de crescimento anual do PIB. Só para comparar, hoje o País luta para cumprir uma meta de 4,5% de crescimento, e já perdeu essa batalha neste ano.
O que foi que aconteceu? Perdemos o bonde da História? Ainda não se pode afirmar. Mas quase. E, de qualquer forma, ficamos para trás numa corrida em que, durante muito tempo, estavam atrás de nós, por exemplo, a China, a Índia, a Coreia, a África do Sul, o México e, aqui pertinho, a Argentina. Todos passaram à nossa frente, até a Argentina. China, Índia e Coreia, disparados.
A pergunta retorna: o que foi que aconteceu? Boi na estrada? Tênis pesados? Sim, houve essas duas coisas: as duas crises do petróleo, em 1972/1973, e a dos juros em 1979 foram os bois na estrada. Os tênis continuam pesados. E o peso é do governo: seus encargos, seus impostos, sua burocracia, seus desperdícios, sua roubalheira, sua inépcia, sua permanente má gestão.
Mas naquela crise, naquele dia em que o País não só quebrou, como começou a ficar para trás na economia mundial, pesou muito uma questão de más escolhas… De quem? E por quê?
Tínhamos um governo militar, não tínhamos? Imposto com um programa de combater o comunismo, fortalecer a democracia e acabar com a corrupção. A pretexto de cumprir o primeiro objetivo, implantou uma ditadura onde o que mais prosperou foi a corrupção. Mas isso é sabido. O que não é tão sabido, nem tão falado, é que o governo militar também precisava mostrar serviço na prática: construir o Brasil Grande. Para isso havia um Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) grandioso. A um custo muito acima da capacidade do governo e da iniciativa privada brasileira.
Todavia, havia um tsunami de petrodólares no mundo – dinheiro à beça, e barato, porque quase não encontrava tomador. Na maioria dos países os investimentos se retraíam. No Brasil, ao contrário, se expandiam à custa de endividamento externo. Mas não na direção da melhoria tecnológica da produção nacional, da melhoria da administração pública, da melhoria da infraestrutura em geral, do aumento da qualidade e da competitividade internacional dos nossos produtos. Tomava-se empréstimo externo simplesmente porque ele estava em oferta, e era barato.
Um uso judicioso desses recursos para dar músculos à economia brasileira chegou a ser cogitado, quando se falou, no II PND, em dar mais atenção à qualidade dos empréstimos externos, em lugar da quantidade. Mas não chegou a ser posto em prática. E quando eles escassearam e os juros subiram às alturas, a partir de 1979, o Brasil quebrou, como se diz.
Hoje estamos muito melhor, vê-se nas comparações com o cenário negro de 1982. Sem dúvida estamos, em números frios – mais reservas e menos dívidas, ou uma relação melhor dívidas/reservas. Temos também menos inflação. E orçamentos públicos mais disciplinados.
Estamos melhor em números, na comparação com 1982 e na comparação com os países em crise da Europa atual. Já foi dito que a crise financeira na Europa é semelhante à do Brasil, e eles até podem se inspirar nas nossas soluções. Soluções?
Solucionamos um problema de caixa, mas temos vulnerabilidades. Temos vulnerabilidade na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, cujo superávit se contrai e é sustentado mais por ingressos externos (de capital e de empréstimos) do que por saldos positivos efetivos da conta comercial e de serviços. Nosso saldo comercial se origina demais nas vendas de produtos primários, cujas cotações internacionais não oferecem segurança e podem se tornar desfavoráveis de uma hora para outra.
Temos vulnerabilidade na questão mais importante da economia mundial moderna: a da competitividade internacional. Nossa indústria não só não consegue competir no mercado externo, como está perdendo terreno no mercado interno para produtos que importamos dos nossos concorrentes. O pacotaço de elevação do imposto de importação de mais de 100 itens, baixado na semana passada, mostra que afinal o governo está percebendo o rumo do problema: o de termos de voltar à situação de economia fechada que já tivemos e que tanto inibiu nosso desenvolvimento. E nem com isso nos livraremos do risco de uma nova crise de dívida externa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/09/2012
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