A disparada recente do dólar e a ida da Argentina ao Fundo Monetário Internacional (FMI) fizeram despertar um fantasma da nossa história recente: o famigerado “efeito Orloff”, piada com uma propaganda televisiva nos anos 1990 segundo a qual “o Brasil é a Argentina amanhã”.
Não é a primeira vez que o espectro de uma crise cambial paira sobre as economias emergentes. Desta vez, contudo, o Brasil está protegido. Não passará ileso, mas resistirá.
O principal motivo é o nível das reservas cambiais. Há em poder do Banco Central US$ 381,6 bilhões, mais que cinco vezes a dívida externa do governo. Fora os investimentos diretos de US$ 65 bilhões previstos para este ano e outros US$ 9 bilhões em poder do Tesouro. As transações em dólar não apresentam déficit. É um quadro mais que suficiente para resistir a qualquer ataque especulativo.
A inflação de 2,76% nos 12 meses encerrados em abril – bem abaixo o limite inferior da meta, 3% – permite absorver melhor qualquer choque da variação cambial no preço dos importados. A queda recente dos juros guardou espaço para que eles possam voltar a subir, se for necessário manter o apelo dos papeis brasileiros aos investidores.
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A Argentina não tinha muita opção. Inflação perto de 25%, juros de 40%, 64% da dívida denominada em dólar (ante 16% no Brasil), déficit de 5% nas contas internacionais, reservas de US$ 55 bilhões para uma dívida externa de US$ 233 bilhões em dezembro de 2017 – e, desde então, as reservas caíram para US$ 30 bilhões.
A casa brasileira, desta vez, está mais arrumada. Por mais desatinos que as administrações petistas tenham cometido na economia – lembre que Dilma caiu em virtude de seus crimes fiscais –, nem elas seguiram a mais mirabolante ideia de seus feiticeiros heterodoxos: usar as reservas cambiais para financiar a gastança. Ainda bem.
Mas o abismo fiscal ainda preocupa. Nosso resultado primário no ano passado foi um déficit de 1,8% do PIB, pouco mais da metade da previsão de 3,2% na Argentina. Mesmo assim, esse valor deverá subir para 2,3% este ano. Incluindo a conta de juros, as obrigações brasileiras beiram 8% do PIB, quando chegam a 5,5% na Argentina, segundo o FMI.
Nossa dívida pública, que era de 51,5% do PIB em 2013, está em 76% (pelos critérios do governo) e será de 81% até 2021. Na Argentina, mesmo com todo o sufoco cambial, a dívida federal fechou 2017 em US$ 334 bilhões, ou 59% do PIB (também segundo critérios locais).
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Embora a situação brasileira esteja, no front externo, melhor que a argentina, a situação interna está pior. Descolamos dos vizinhos. O efeito Orloff ficou para trás, mas temos nossos próprios problemas.
Num momento em que o Fed, o Banco Central americano, inicia uma trajetória de alta de juros, e que o planeta vive o acirramento de uma guerra comercial entre os maiores mercados – Estados Unidos, Europa e China –, as turbulências internacionais não darão trégua. Nosso ajuste fiscal deverá, portanto, ser feito em cenário desfavorável.
O mercado aguarda a definição da corrida presidencial para agir. Se for eleito alguém comprometido com uma agenda de reformas, é provável que os solavancos sejam suportáveis. Se as urnas consagrarem o populismo daqueles que mentem sobre a Previdência e querem desfazer as poucas (e insuficientes) conquistas fiscais do governo Michel Temer, aí o que vemos na Argentina será fichinha. O Brasil viverá uma ressaca de pinga barata pior que qualquer efeito Orloff.
Fonte: “G1”, 11/05/2018