A frase da semana saiu da boca de um patético Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado Federal por 14 anos.
Sua carreira liga-se à do ex-presidente da república e senador José Sarney, desde que o político maranhense, mestre nas artes de navegar em meio a tempestades, trovoadas, tufões e golpes deste Brasil que tem um lado aberto como um sanduíche de mortadela barato, e um outro fechado como um cofre bancário, ocupou a direção da “Casa”, na primeira presidência de um Sarney colecionador de presidências.
“Decisões foram referendadas por um colegiado; e eu sou o responsável?” disse — conforme leio no GLOBO (do dia 13 do corrente) — um estarrecido ex-diretor, num rasgo de descoberta sociológica, revelador de um Brasil que conhecemos, mas que colocamos debaixo dos nossos tapetes. A frase-observação foi proferida como um comentáriodefesa de Agaciel pelos 500 atos secretos usados pelos senadores para praticar aquilo que o republicanismo de botequim ou — com o devido perdão da expressão, mas não há outra — de merda que, em vez de colocar o governo (e o estadonação que ele representa como dimensão particular ou pessoal, pois é de Fulano ou Sicrano, neoliberal ou de esquerda como é o caso da administração Lula) a serviço da sociedade; faz o exato o oposto, subordinando a sociedade aos seus desígnios sempre avessos ao republicanismo que deveria representar.
Pois ser republicano é ter consciência da coisa pública e portanto situar-se como um instrumento e um meio da sociedade na realização dos s e u s f i n s e v a l o re s .
Mas, entre nós, os poderes públicos agem sempre protegendo os que levam dólares na cueca e os que usam os recursos coletivos para os seus apaziguados, protegidos e partidários, pois, se viramos a pagina do império, ainda não abandonamos o hábito aristocrático de personalizar os poderes dos quais somos temporariamente responsáveis.
Donde essa incapacidade de não nomear apaniguados e de usar de todos os recursos legais e regimentais (inclusive atos secretos) para ampliar os benefícios destinados a netos, primos, filhos, cunhados, e partidários em geral — hoje parte da grande família que governa o Brasil.
Como todo bom brasileiro situado no alto da nossa burocracia, Agaciel Maia apenas revelou aquele rotineiro estranhamento sociológico de quem, finalmente, descobre a pólvora social que municia os canhões da amoralidade oficial brasileira. Refirome ao fato de que ele agora sabe mesmo com quem está falando! Os ilustres e probos senadores que dirigem e constituem o Senado Federal tiram o corpo fora e, usando daquele expediente que a republica teve o mérito de inaugurar, dizem que a culpa — é lógico — é do funcionário! Como se eles não fossem responsáveis não por 5 ou 50, mas por — PQP — simplesmente 500 atos secretos usados para realizar favores e, mais uma vez, demonstrar compaixão, amor e sentimento de honra e fidelidade familística e patriarcal para com aqueles que fazem parte de seu circulo intimo: a esfera de suas casas grandes que, pelo visto e contrariando a ótica topográfica de mestre Gilberto Freyre, não acabou com o advento da República de 89 ou foi substituída por sobrados, mas continuam fortes e poderosas, sempre prontas a admitir novos parentes, amigos, compadres e sócios.
A surpresa de Agaciel desenha uma parábola. Trata-se da narrativa do um todo poderoso situado naquela zona preferida do mundo publico nacional. Uma região sem definição precisa de responsabilidade.
Tal como os senadores que o nomearam diretor mas, por isso mesmo, nada teriam a ver com 500 atos secretos que, por definição, desafiam qualquer pensamento liberal, democrata, socialista ou populista pois ser republicado é pensar na coisa que pertence a todos e, por definição, se obriga à transparência.
Mesmo sendo um craque da burocracia político-pessoal-carismática do Brasil, a frase de Maia, tentando sair do embrulho, revela com toda a luminosidade o nosso gosto pelas coisas ambíguas, pelos atos imorais, pelas éticas dúplices que dividem o governo (eleito e pago por nós) e a sociedade em geral que não é sua beneficiária, mas sua vítima. Esse é mais um episódio vergonhoso da nossa história republicana. Pois envolve o Senado e exemplifica que mesmo ali, naquela instituição de democracia e exemplo de moralidade pública, é necessário rediscutir a questão fundamental da responsabilidade institucional. Pois se o Senado, como uma casa do povo, não tem dono e não é dos senadores, então ele é a residência da mãe Joana.
Estou farto do dilema brasileiro entre estado forte ou fraco o que, no fundo significa simplesmente mais estadofilia, estadolatria e estadopatia.
Mais controle da sociedade pelo estado, pela sociedade, quando — no fim das contas — os seus empregados (do presidente da república ao mais humilde vereador e servidor) são empregados dos cidadãos que, livres e iguais, os elegem e pagam com o fruto do seu duro trabalho. Ainda preciso saber com clareza, que até hoje não tenho certeza, se é a sociedade que serve ao estado ou se deveria ser — eis a revolução! — o justo oposto.
Em outras palavras, preciso de um “ponto pergunta” como ocorria nas estradas de minha meninice. Uma parada na qual podiam orientar-se sobre que rumo tomar na viagem.
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