O Podcast Rio Bravo conversa com Francisco Gomes Neto, CEO da Marcopolo, empresa que está entre as maiores fabricantes de carrocerias no mundo. Na entrevista, além de destacar a estratégia da companhia nos últimos anos, o executivo fala a respeito dos desafios que a empresa enfrentou recentemente: da morte de seu fundador, Paulo Bellini (em julho de 2017), aos impactos da crise econômica no país. Ainda assim, a Marcopolo tem se mostrado resiliente e, de acordo com o CEO, até o momento, os números da performance de 2018 indicam que este é um ano de retomada de crescimento. “No primeiro semestre deste ano, a Marcopolo cresceu mais de 50%, superando nossas estimativas”, diz Francisco Gomes Neto, que acrescenta: “temos a expectativa de que, no ano que vem, esse ritmo de crescimento seja mantido”. Ouça o podcast:
Rio Bravo: Em setembro do ano passado, a Marcopolo enfrentou um obstáculo inesperado, o incêndio na sede de Caxias do Sul. Qual foi o tamanho do estrago e como é que vocês se organizaram para retomar os processos produtivos da companhia?
Francisco Gomes Neto: O incêndio ocorreu na nossa fábrica de plásticos, uma área de 14 mil metros quadrados. Um pedaço só da fábrica, mas um pedaço importante, onde trabalhavam mais de 400 pessoas. O incêndio destruiu tudo, inclusive mais de cinco mil moldes de peças, então nós ficamos, do domingo para a segunda, sem peça plástica nenhuma para colocar nos ônibus. Como nós fizemos? Logo na segunda de manhã, após o período de depressão entre o domingo e a segunda, nós criamos um grupo que chamamos de “grupo de retomada”, juntamos pessoas de diferentes áreas e mapeamos as diversas iniciativas para poder retomar a produção. Foram mapeadas as peças que perdemos, os moldes etc., e foi um trabalho muito legal, porque em cinco dias a produção já estava funcionando outra vez e em cinco semanas a gente já tinha retomado o nível de produção diária pré-incêndio.
Rio Bravo: Em termos de protocolo, quais foram as práticas que foram revisadas para evitar episódios como esse daqui para frente?
Francisco Gomes Neto: Com essa experiência que teve, a gente fez um assessment de novo em várias áreas, praticamente em toda a fábrica, com o nosso pessoal de segurança, e tomou vários cuidados e medidas para que isso não ocorra outra vez.
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Rio Bravo: Como é que os colaboradores reagiram ao que aconteceu? Houve um engajamento em torno da empresa? Porque esses momentos são bastante importantes do ponto de vista da consolidação do que a empresa significa para muitos deles.
Francisco Gomes Neto: A Marcopolo é uma empresa muito querida, principalmente na cidade, então a gente desde o incêndio começou a receber mensagens de todo lugar, de várias pessoas, dando força, oferecendo ajuda, tanto é que nós até criamos um grito de guerra que a gente chamou “Força, Marcopolo”, criamos um design que era o pessoal levantando de novo, pondo a bandeira Marcopolo de pé, e isso realmente trouxe uma motivação adicional que ajudou a gente a recuperar e, como eu disse, em cinco semanas a gente já estava no nível de produção antes do incêndio, isso utilizando alguma produção local em outras áreas e vários fornecedores da região, porque nós mandamos funcionários nossos trabalharem dentro dos fornecedores. Foi um mutirão fantástico, principalmente por causa do apoio das pessoas.
Rio Bravo: Não foi o único desafio que a Marcopolo enfrentou nos últimos anos. Qual foi o impacto da morte de Paulo Bellini, fundador da Marcopolo, para o desenvolvimento da empresa de 2017 para cá?
Francisco Gomes Neto: No momento que aconteceu, que veio a notícia, foi muito triste. Eu mesmo estava fora do país, voltei rápido para acompanhar o velório, as cerimônias e o… Não foi sepultamento, foi cremação, mas acompanhei todo esse processo. Realmente foi um momento de comoção na cidade e, principalmente, na companhia. O Seu Paulo era uma pessoa muito querida. Quer dizer, ele fundou a Marcopolo lá em 1949 e era uma pessoa que tinha o hábito de frequentar a fábrica e cumprimentar as pessoas. Uma vez por ano, no final do ano, ele pessoalmente ia lá cumprimentar todo mundo, entregava uma lembrancinha. Ele tinha um carisma muito forte e era muito querido, as pessoas davam presentes pra ele, então foi difícil. Por outro lado, eu acho que todo mundo entendeu a situação. O Seu Paulo tinha 90 anos e ele deixou um legado importante, que é esse reconhecimento, esse foco nas pessoas. Ele sempre dizia “O mais importante são as pessoas”. A gente chegou até a pintar um ônibus com o rosto dele, com o slogan “O mais importante são as pessoas”, e isso a gente sempre lembra até hoje nos processos. Acho que ele deixou um legado importante e uma mensagem importante que a companhia absorveu e está levando adiante.
Rio Bravo: A questão da greve dos caminhoneiros, agora em 2018, como é que esse evento, esse episódio impactou o desempenho da Marcopolo no segundo trimestre?
Francisco Gomes Neto: Bom, para quem passou um incêndio numa fábrica de plástico importante e retomou a produção em cinco dias e em cinco semanas retomou o nível de produção antes do incêndio, nós ficamos quatro dias sem trabalhar, mas foi um piece of cake. Afetou a gente, mas pouco. A gente conseguiu recuperar, trabalhando depois algumas horas extraordinárias e alguns dias a mais. Teve um impacto de custo no mês da greve, mas eu poderia dizer que impactou como performance da companhia no ano muito pouco.
Rio Bravo: Alguns números não tiveram que ser revisados por conta desse episódio?
Francisco Gomes Neto: Não.
Rio Bravo: Pensando agora na sua trajetória como CEO da Marcopolo, conta um pouco pra gente dessa sua trilha, desse seu caminho à frente da companhia. Quais foram os momentos, para além desses que a gente citou, que foram decisivos na sua opinião desde que você assumiu o comando da empresa?
Francisco Gomes Neto: Primeiro que foi um movimento muito interessante pra mim entrar numa companhia como a Marcopolo e ser o primeiro homem numa companhia multinacional, brasileira, com várias operações fora do país. Foi um desafio bem legal, mas eu queria falar um pouco inicialmente da coincidência das crises. No meu trabalho anterior, eu fui para os Estados Unidos no final de 2008, cheguei lá em novembro de 2008 e logo em seguida teve a crise de 2009. Depois, em 2010, o mercado retomou, o americano, automobilístico, e a produção começou a crescer e não parou até agora. E aí quando eu cheguei no Brasil em 2015, outra crise aqui, que eu também achava que ia ser uma crise de um ano, um ano e pouco, e não foi. Foi, acho que talvez a mais longa, e mais profunda crise que a gente enfrentou. Os mais antigos no mercado de ônibus dizem que nunca viram uma crise tão longa e profunda como essa onde o mercado caiu 60% a demanda por ônibus no mercado brasileiro. Eu cheguei no começo da crise, no final de 2015, agosto de 2015, e a gente achava que 2016 já ia melhorar. Não melhorou, continuou piorando, então uma das primeiras medidas que nós fizemos foi focar na exportação, tentar buscar uma compensação na exportação. Criamos um projeto chamado “Projeto Conquest” e foi um sucesso, as exportações cresceram, se não me engano, 60% de 2015 para 2016. Nós visitamos mais de 30 países, retomamos vários mercados que havíamos perdido nos anos anteriores, conquistamos mercados novos e focamos também nos negócios internacionais fora do Brasil que podiam gerar receita e resultado. E foi um movimento interessante, porque nos anos de 2016 e 2017 70% da receita da Marcopolo veio daí, da combinação entre as exportações do Brasil e os negócios da Marcopolo fora do Brasil, então a gente conseguiu passar essa crise no azul, principalmente por causa disso. E, em paralelo, claro, nós tivemos que ajustar a companhia. A companhia tinha 11 mil funcionários, nós baixamos para menos de 7 mil. Foi um ajuste em vários níveis, menos diretorias, menos gerências, uma redução grande na mão de obra, mas também fizemos outras coisas legais. A gente começou um programa de revitalização do Sistema Marcopolo de Produção, trazendo a filosofia Lean, criando os programas de Kaizen, que envolvem as pessoas, então criando uma integração muito grande entre as pessoas de diversas áreas. Isso trouxe novos desafios e também uma motivação especial pra gente poder superar aquele momento, e também ajudou a gente a melhorar a segurança, melhorar a qualidade, melhorar a eficiência, produtividade etc. Isso também, juntamente com o foco na exportação, com o ajuste nos custos, ajudou muito a gente a nos preparar para uma retomada. A gente também continuou investindo em desenvolver produtos novos, a gente tentou melhorar a performance de diversas áreas e eu acho que todas essas atividades acabaram, juntas, dando um resultado que a gente está colhendo os frutos agora nesse ano de 2018, em que o mercado doméstico teve uma reação até melhor do que a gente esperava, as exportações continuam crescendo, então essas duas atividades estão ajudando a companhia nesse ano a estar numa situação muito melhor do que estava em 2017, 2016 e 2015.
Rio Bravo: Em relação a produto, você falou dos modelos de ônibus, quais ativos você enxerga como bastante pertinentes para o mercado agora que vocês não possuíam nos anos anteriores?
Francisco Gomes Neto: Falando um pouquinho desses desenvolvimentos, eu vou começar pelos rodoviários. A nossa linha rodoviária, que é aqueles ônibus lindíssimos que vocês veem andando aí nas estradas do Brasil afora, chama Geração 7. Nós lançamos um facelift da Geração 7, então ele é um Geração 7 mais moderno, mais estilizado, com mais conforto, mais bonito internamente e externamente. Esse é um lançamento, para nós, bastante importante para os próximos anos. Mas também nós lançamos um micro-ônibus que a gente chama de Senior, uma geração nova, um ônibus que a gente vende bastante no Brasil e exporta. É um produto bem legal, que a gente acha que a geração nova vai alavancar as vendas. Nós lançamos também na outra marca nossa, Volare. Na Volare, nós lançamos um Volare de seis toneladas também, a gente chama de Fly 6. Lançamos um facelift também do nove toneladas. E, por último, na marca Neobus, nós também lançamos um ônibus de fretamento, que a gente chama Spectrum 325, que a gente espera que vai gerar boas vendas nessa área de fretamento, que é quando as empresas crescem e renovam os contratos de transporte dos funcionários. Nesses processos, elas meio que exigem uma renovação da frota. Sempre foi um segmento muito importante, que caiu para quase zero na crise e agora ele vem retomando. Você vê que esses lançamentos cobrem os segmentos mais importantes. Nos urbanos também, nós lançamos um Torino novo. Então, eles cobrem desde o micro aos urbanos, os rodoviários e o fretamento, então a gente está bem muito bem em termos de portfólio de produtos e espera que isso vá ajudar a gente também a manter esse market share histórico que a gente atingiu aqui nesse ano de 2018.
Rio Bravo: Conta um pouco pra gente sobre o impacto do sistema Lean no modelo da Marcopolo. Como é que, efetivamente, essa proposta ajuda no desempenho da companhia?
Francisco Gomes Neto: A Marcopolo já tinha, antes de eu chegar, uma boa base. O Seu Paulo Bellini, que a gente comentou, em 1986 ele foi para o Japão para entender o que os japoneses estavam fazendo em termos de produção. Ele visitou as empresas japonesas e aprendeu esse sistema Toyota de produção, que era aqui no Brasil absoluta novidade na década de 1980. Para você ter uma ideia, meu primeiro contato com esse sistema foi em meados da década de 1990. Você vê, ele há dez anos antes já tinha trazido isso para a Marcopolo, então já tinha uma boa base dessas técnicas de 5S, Kaizen, Kanban, já tinha uma boa base. O que eu fiz foi trazer um outro foco, uma outra estrutura, e aí nós trouxemos um americano que lançou um livro chamado “A Virada Lean”. Distribuímos o livro para os executivos, o americano foi lá em Caxias, fez uma palestra e todo mundo começou a entender que dava para fazer mais, e aí nós criamos… Trouxemos também uma consultoria que veio de São Paulo pra lá e, junto com a turma, começou a criar esses programas de Kaizens mais dirigidos e mais estruturados. Isso é uma onda, então hoje nós já fizemos acho que mais de 300 Kaizens e começamos a padronizar processos, com foco na organização da companhia, na limpeza muito grande, na própria segurança. Nós reduzimos os acidentes com afastamento em quase 90%, foi uma coisa impressionante. A qualidade também melhorou muito, os nossos custos com assistência técnica reduziram tremendamente nesses últimos dois anos, enfim. E as pessoas se sentem orgulhosas porque elas participam. Toda sexta-feira tem uma apresentação no auditório da companhia dos Kaizens realizados na semana, e são as pessoas que fazem o Kaizen que apresentam, e eu vou lá assistir, os diretores vão lá assistir, então eles se sentem prestigiados e aprendem. Funciona como treinamento, eles se sentem que com isso se desenvolvem. É uma coisa que ajuda a empresa, ajuda as pessoas a se desenvolverem, integra mais, motiva, então tem sido um processo muito bacana, que agora anda sozinho. Ele anda sozinho.
Rio Bravo: O tamanho da crise em termos do mercado doméstico, você mencionou agora há pouco que 2018 representa uma retomada em relação aos anos de 2017 e 2016. Existe alguma imagem, alguma ilustração, alguma figura que possa dar notícia pra gente do que foi essa transição?
Francisco Gomes Neto: Claro, você pode pegar o ano de 2014. A demanda no mercado interno foi perto de 24 mil ônibus e 2016, foi 10 mil. Cai de 24 para 10, você imagina, é uma queda brutal. E esse ano a gente espera que seja algo entre 13 mil e 14 mil, já é um crescimento importante. A gente imaginava que ia ser de 2017 para 2018, entre 10 a 20% e o mercado, no primeiro semestre, cresceu 39%, quase 40%. A Marcopolo cresceu mais de 50% nesse primeiro semestre, então é um crescimento importante, mas se você pensar bem, 13 mil contra 24, ainda tem um espaço grande para crescer. E a gente espera que essa nova eleição traga estabilidade, traga confiança para os operadores das frotas continuarem investindo na renovação das frotas e no aumento das mesmas para esse mercado continuar crescendo e voltar a alguma coisa entre 20 e 24 mil, que foi em 2014.
Rio Bravo: Nesse sentido — a gente até conversava a respeito disso antes da entrevista começar –, vocês têm alguma expectativa positiva no tocante a 2019 pra frente, sobretudo no processo produtivo, tendo em vista a agenda dos candidatos à Presidência da República?
Francisco Gomes Neto: A gente é sempre otimista, o que a gente está é apreensivo agora. A gente imagina que o mercado vai continuar crescendo, porque acho que ninguém aguentava mais a crise. Depois de quase três anos de crise, acho que o pessoal já estava…Mesmo os investidores, todo mundo estava esgotado de crise, então queria crescer. É que esse crescimento da economia em geral está num ritmo ainda muito baixo. Para quem caiu o PIB por mais de 3% dois anos consecutivos, agora crescer pouco mais de 1% é pouco. No mercado de ônibus, foi uma boa surpresa, como eu falei antes. Ele cresceu muito mais, mas também estava numa base muito mais baixa. A gente imagina que ele deve continuar crescendo, mas sem dúvida a definição de outubro será muito importante. Você falou em termos de agenda e, para ser sincero, em termos de agenda dos candidatos a gente está vendo muito pouco até agora. Vamos ver se agora, com os programas na TV, a gente consegue ver alguma coisa mais bem estruturada, que nos ajude a decidir sobre o voto.
Rio Bravo: A alta do dólar representa um desafio ou uma oportunidade para a Marcopolo?
Francisco Gomes Neto: Na verdade, para a Marcopolo a alta do dólar é boa. O que é ruim pra Marcopolo é a instabilidade, é o dólar sobe e desce, sobe e desce. Ela é boa porque a Marcopolo é uma empresa exportadora, então a gente exporta mais e com o mesmo dólar vem mais reais. Esse é o lado bom. O lado ruim é que as coisas que a gente compra que tenham certa ligação com o dólar, os preços sobem quando o dólar sobe e quando o dólar cai eles não querem abaixar o preço, querem usar esse aumento como uma recuperação de imagem. Essa é a parte ruim, mas no geral a subida do dólar, para a Marcopolo, é positiva, porque ela é uma empresa exportadora, então isso pra gente ajuda.
Rio Bravo: E quais são os próximos passos da companhia agora nesses últimos meses de 2018?
Francisco Gomes Neto: A gente agora teve uma feira importante chamada Lat.Bus, aqui no Expo Center do Transamerica, entre os dias 31 de julho e 2 de agosto. A Marcopolo levou 12 ônibus nessa feira, no saguão da feira, e desses 12 ônibus, oito eram novos lançamentos. Lançamentos desde o micro-ônibus até os grandes ônibus rodoviários. A nossa expectativa é que… Esse é um dos maiores lançamentos simultâneos da Marcopolo, a gente espera que isso ajude que as vendas continuem boas. A gente tem uma boa visibilidade até outubro em pedidos e para o fim do ano, ainda não, mas de qualquer maneira esse ano de 2018 vai ser um ano muito bom, muito melhor do que a gente esperava e estamos aí na expectativa que 2019 mantenha esse ritmo de crescimento. Não tão grande como teve em 2018 versus 2017, mas que a gente possa crescer alguma coisa entre 5 e 10% para o ano que vem, que já seria um crescimento bacana em direção a retomar os 24 mil que a gente já teve em 2014, que isso volte em 2020, 2021.
Rio Bravo: Francisco Gomes Neto, foi um prazer tê-lo aqui conosco no Podcast Rio Bravo.
Francisco Gomes Neto: Muito obrigado. Foi um prazer, e espero ter contribuído um pouquinho com as informações da nossa querida Marcopolo.
Fonte: “Rio Bravo Investimentos”