Crédito é uma palavra derivada de credere, que em latim significa acreditar. Alguém que concede um crédito a outrem nele acredita, ou seja, espera ser pago de volta. Em geral se pensa em crédito quando é o banco que empresta a um indivíduo ou uma empresa. De fato, porém, a maior parte dos recursos com que o banco opera é de depositantes ou investidores que lhe entregaram suas poupanças. Nesse caso, a palavra-chave em latim é fiducia, que significa confiança, credibilidade.
No último par de anos, a fidúcia em alguns dos maiores bancos europeus diminuiu bastante, notadamente de parte de outros bancos e investidores qualificados, que não gozam do seguro de depósito concedido pelos governos. Isso reflete a lentidão e pouca transparência com que essas instituições lidaram com as perdas geradas pela crise e a sua exposição ao risco de calote pelo setor público.
O resultado desse quadro foi a crônica dependência desses bancos de empréstimos do Banco Central Europeu; a elevada volatilidade observada sempre que eles tentam captar recursos no mercado; e o risco de mais aperto de crédito, pela necessidade dessas instituições reduzirem a alavancagem. A continuar essa situação, há um risco razoável de recrudescimento da crise financeira internacional.
Foi na tentativa de mudar esse quadro que os supervisores bancários europeus aplicaram testes de estresse aos maiores bancos da região, cujos resultados foram publicados na última sexta-feira. A ideia de exercícios desse tipo é avaliar a capacidade de as instituições sobreviverem a um cenário econômico excepcionalmente adverso. O objetivo do último teste, em especial, foi mostrar que os bancos europeus gozam de boa saúde financeira e sobreviveriam a um cenário de crise. Para convencer o mercado, se utilizou uma metodologia uniforme e se deu transparência aos resultados, inclusive banco a banco, o que não é comum.
O exercício englobou 91 instituições, responsáveis por 65% dos ativos bancários europeus. Dois cenários macroeconômicos foram utilizados. No cenário de estresse, o PIB não cresce em 2010 e cai (-0,4%) em 2011. Esse cenário também prevê uma alta na curva de juros, fruto do agravamento da crise de dívida soberana, provocando uma perda patrimonial, ainda que essa dependa da situação de cada país e das estratégias adotadas por cada banco. O cenário de estresse também assume uma deterioração na qualidade de crédito e perdas nas posições em ações, acumuladas em 36% em dois anos.
A principal conclusão do teste, como esperado, é que o setor financeiro europeu está sólido. No agregado, o capital de nível 1, de melhor qualidade do ponto de vista de garantir a solvência dos bancos, cairia no cenário de estresse de 10,3% em 2009 para 9,2% em 2011, bem acima do nível mínimo exigido no teste, de 6%, e do piso regulatório, de 4%. Apenas sete bancos não passaram no teste, precisando aumentar o capital em 3,5 bilhões de euros. Esses números ficaram aquém das expectativas, tanto para o número de instituições (se falava em 10 bancos), como de valores (se projetava um hiato de capital de cerca de 70 bilhões de euros).
As críticas a esse exercício focam em três pontos. Primeiro, o cenário de estresse é pouco adverso: a contração do PIB europeu em 2011, de 0,4%, é um décimo da observada em 2009 (-4,2%) e o PIB americano não cai. Segundo, não se considera um calote por algum dos países mais vulneráveis. Terceiro, se foca apenas nos riscos de crédito e mercado (taxas de juros e câmbio), deixando-se de lado o problema da liquidez (a capacidade dos bancos de rolarem suas dívidas), talvez o mais grave risco a ser enfrentado por essas instituições, dado o volume de dívidas que vencem no próximo par de anos, quando também o setor público será grande demandante de fundos.
Para os mais críticos, se perdeu a chance de ter um teste mais rigoroso, que forçasse uma maior capitalização dos bancos europeus. Apesar disso, o teste vai aliviar a preocupação com os bancos europeus, como ocorreu nos EUA, onde os testes também utilizaram um cenário menos estressado do que seria razoável: então, como agora, os investidores desejam que a situação se acalme e parecem dispostos a fazer alguma vista grossa para a falta de rigor. Isso não deve, porém, dar mais do que um curto fôlego de otimismo, já que os problemas estruturais, em especial a necessidade de reduzir a alavancagem do setor privado e conter o desequilíbrio das contas públicas, vão continuar pesando sobre o desempenho econômico dos países desenvolvidos.
Fonte: Jornal “Correio Brasiliense” – 28/07/10
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