O Podcast Rio Bravo conversa com Luiz Alves, pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo em São Carlos. O entrevistado é um dos autores do levantamento sobre os casos de corrupção na política brasileira (e que foram noticiados pela imprensa) ao longo de 27 anos. Publicado em janeiro de 2018, o artigo “The dynamical structure of political corruption networks” foi listado pelo MIT Review of Technology como um dos mais instigantes do início do ano. No Podcast, Luiz Alves detalha a metodologia do trabalho e também comenta os resultados da pesquisa. Na avaliação dele, a rede de corrupção tem estrutura parecida com as redes de terrorismo e de tráfico de drogas. “Essa estrutura permaneceu desde 1987 até 2014”, afirma Luiz Alves.
Rio Bravo: Você é pós-doutorando no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP. A partir desse background, como é que surgiu o interesse em desenvolver uma pesquisa que investigue as características das redes de corrupção no Brasil?
Luiz Alves: A resposta para isso é um pouco mais complexa, porque eu sou formado em Física. Fiz todo o meu mestrado e o meu doutorado em Física, sou bacharelado em Física e os físicos têm interesse por estudar esses temas sociais. Nessa interseção de Física, Estatística, Computação e Ciências Sociais, eu acabei me deparando com esse problema da corrupção e o interesse foi natural já devido à pesquisa que eu vinha desenvolvendo na investigação dos sistemas sociais, e foi assim que começou esse interesse pelo estudo da corrupção.
Rio Bravo: Como é que era esse trabalho com os sistemas sociais, especificamente, que você desenvolvia antes?
Luiz Alves: No estudo de sistemas sociais, basicamente o que os físicos tentam fazer é usar as ferramentas de Física, Física Estatística e Estatística para estudar outros sistemas complexos, que não necessariamente são sistemas sociais, mas podem ser sistemas biológicas, econômicos, sociais, e a partir das interações entre os agentes nesses sistemas a gente tenta extrair padrões para inferir a dinâmica, como é que esses agentes estão se relacionando entre si.
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Rio Bravo: Então, aproveitando essa deixa, explica para a gente como é que essa investigação que você conduziu em relação às redes de corrupção no Brasil foi estruturada, quais foram os elementos que vocês priorizaram na realização desse trabalho.
Luiz Alves: Para a realização desse trabalho, a primeira coisa que tínhamos que fazer era identificar esses agentes desse sistema social, que eram os corruptos. O que a gente priorizou foi ter uma base de dados consolidada, uma base de dados sólida e para isso coletamos dados de nomes de pessoas sendo investigadas que foram reportados na mídia e para convalidar esses dados usamos mais de 300 artigos que continham os nomes dessas pessoas. Esses dados são bem documentados desde 1987 a 2014. Não conseguimos dados antes de 87 porque antes disso a mídia não era tão livre para reportar escândalos de corrupção e depois de 2014 ainda não está muito bem definido quem são as pessoas. Tudo está meio nebuloso na mídia para saber o que é. Então, a primeira coisa que a gente fez para dar continuidade a essa pesquisa e ter de fato um alicerce para fazer essa pesquisa foi ter uma base de dados consolidada com 65 escândalos e 404 pessoas que são investigadas por corrupção.
Rio Bravo: E vocês encontraram, então, recorrências nesses nomes.
Luiz Alves: Sim. A mesma pessoa pode ser investigada em mais que um escândalo. Isso é comum, na verdade, acontecer, então tem várias pessoas que estão na mídia e são citadas em mais que um escândalo.
Rio Bravo: Existiu algum elemento que invalidava esse encaminhamento desses corruptos dentro dessa análise que vocês estavam realizando ou esse processo acontecia efetivamente de forma mais natural, essa listagem?
Luiz Alves: A listagem, sim. A gente incluiu apenas aqueles casos que estavam bem documentados, então a nossa base não está completa. É uma base que a gente retirou os dados da mídia, então ainda pode ser que existam algum viés da mídia. A gente inclusive cita isso no trabalho, mas a análise que a gente fez em si não fica invalidada por esses fatos, porque os padrões que a gente tirou vão além da característica individual. Se a gente esqueceu o Fulano X ou o Fulano Y, a característica global da rede ainda vai ser a mesma. E se você observar, no estudo a gente vê que a estrutura ao longo dos anos se mantém parecida. Apesar de crescer a rede e aumentar o número de nós, o número de ligações, ainda tem algumas estruturas que se mantêm iguais, o que mostra que de fato esses resultados são robustos e que essas pequenas variações não afetariam as nossas conclusões.
Rio Bravo: Explica para a gente como é que vocês decidiram representar esses casos de corrupção, alcançando esses 27 anos de levantamento. Tem uma imagem que é bastante forte que você usa e que citou num dado, que são os nós. Como é que…
Luiz Alves: Para entender como que a rede é complexa, a rede complexa é caracterizada por nós e arestas. Então, se tem uma interação um nó I e um nó J, dois nós, eles têm uma conexão que é chamada aresta, link. Tem vários nomes na literatura, mas, basicamente, na rede de corrupção esses nós são as pessoas que são investigadas e o link ocorre se essas duas pessoas são investigadas no mesmo caso de corrupção. E como eu disse que pode haver a possibilidade de uma mesma pessoa ser investigada em dois casos de corrupção ou mais, então a gente usou um link que é proporcional. A força desse link entre essas duas pessoas é proporcional ao número de vezes em que elas aparecem sendo investigadas nesses escândalos. Então, se tem três escândalos, é proporcional a três. Se tem um escândalo, é proporcional a um.
Rio Bravo: Esse nó é mais forte.
Luiz Alves: A ligação entre esses dois nós é mais forte conforme eles aparecem mais vezes na base de dados.
Rio Bravo: E o quanto da pesquisa ajuda a compreender essa engrenagem que, mais recentemente, por conta da série do Netflix, foi chamada de mecanismo da corrupção?
Luiz Alves: Uma coisa que a gente consegue ver dessa rede de corrupção é que ela evolui de uma forma que existem nós que são peças-chaves para ligar dois módulos, duas comunidades dessa rede, dois grupos dessa rede, e a gente observa que essa rede tem uma estrutura de grupos. Não é diferente do que se propaga, que existe um grupo da direita e um grupo da esquerda. A gente encontrou 27 grupos, o que é muito mais do que apenas direita e esquerda, e esses grupos estavam interligados entre si de forma que a maioria das pessoas têm uma ligação com um terceiro ou uma quarta pessoa, conectando todo mundo no mesmo grupo.
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Rio Bravo: Essas diferenças ideológicas, portanto, desaparecem quando se trata de escândalos de corrupção mais complexos.
Luiz Alves: Sim. Quando você vai olhar para as ligações, para as interações entre esses corruptos, não há uma estrutura simples. É uma estrutura muito complexa que tem 27 grupos. Quatorze desses grupos estão conectados entre si e existem pessoas que são o que a gente chama na linguagem de redes de hubs. Elas são de um nível hierárquico superior a outros tipos de nós. E esses hubs, só para ficar fácil de entender, a gente costuma fazer analogia com a rede de aeroportos. Um aeroporto que é um hub é o Aeroporto do Galeão, o de Guarulhos, que você recebe tanto voos internacionais quanto voos dentro do país. Um aeroporto periférico seria o Aeroporto de Ribeirão Preto, o Aeroporto de Maringá, que você ou chega a esse aeroporto ou você sai desse aeroporto para ir até outro lugar, você nunca faz uma conexão ali. Então, essa é a grande diferença. Se você fosse andando na rede pensando que você está andando pelos nós nas arestas, esses hubs teriam uma chance muito maior de passar por ele quando você tenta ir de um lugar a outro na rede, enquanto que um nó periférico, ou você chega a ele ou você sai dele.
Rio Bravo: E quais foram os pontos em comum dos 65 casos analisados entre 1987 e 2014? Se você pudesse citar para a gente alguns exemplos desses pontos de contato.
Luiz Alves: O que a gente observou em comum durante todo esse tempo… Como eu disse antes, apesar de ter essas particularidades do dado etc., tem algumas estruturas que permanecem similares ao longo do tempo. Uma dessas estruturas é a distribuição de grau da rede, que é uma distribuição exponencial, e essa distribuição exponencial se mantém ao longo de todos os anos apesar de ter um exponente diferente, mas ela tem essa estrutura de distribuição exponencial. O que quer dizer que você tem uma pessoa muito conectada e a segunda pessoa mais conectada decai exponencialmente, e assim por diante. Então, a terceira pessoa tem um pouco menos de conexões, a quarta pessoa tem um pouco menos de conexões e essa curva de número de conexões por pessoas decai exponencialmente. Em outras redes sociais, geralmente você acha que existem pessoas muito conectadas, então você tem lá um artista que tem várias conexões e a maioria das pessoas têm poucas conexões. E é uma estrutura bem diferente da rede de corrupção. A rede de corrupção é muito mais parecida com a rede de terrorismo e a rede de tráfico de drogas. E essa estrutura a gente viu que permaneceu desde 87 até 2014. Muda o expoente, mas a estrutura é a mesma, então acho que essa é uma característica que é marcante durante todo esse período.
Rio Bravo: Há um trecho bastante interessante no artigo, que foi publicado em janeiro deste ano, que dá conta da renovação desses núcleos que participam dos esquemas de corrupção. O que isso conta a respeito dos casos do Brasil nesse período, desses escândalos de corrupção no Brasil nesse período?
Luiz Alves: O que a gente observa é que a cada quatro anos há a inclusão de novas pessoas sendo investigadas por corrupção. Isso poderia significar que as novas pessoas que entram no governo começam a fazer corrupção e são incluídas nessas investigações ou que o antigo governo tenta investigar o novo governo para ver se acha alguma sujeira ali ou o contrário, que o novo governo tenta investigar o antigo governo e aí aparecem novos casos de corrupção. Então, apesar de não conseguir provar as causas desse aumento, a cada quatro anos aparecem mais pessoas sendo investigadas e também coincide com o ciclo eleitoral. A gente sabe que muitos dos casos de corrupção estão ligados a propinas na campanha eleitoral, caixa dois, então fica aí uma especulação se há uma correlação entre os números de pessoas investigadas e o ciclo eleitoral, propinas e esquemas de corrupção devido a eleições.
Rio Bravo: Isso é uma hipótese que não necessariamente foi confirmada por vocês.
Luiz Alves: Exato. Isso é uma hipótese e precisaria de mais investigações para ser confirmado.
Rio Bravo: Ao analisar tantos casos de corrupção, a reincidência desses agentes, você já disse, é presente. Você acredita que é possível traçar esse paralelo com casos de contravenção que tenham ocorrido fora do Brasil?
Luiz Alves: Você diz outros escândalos de corrupção em outros países? Eu acredito que sim. Eu acredito que, tendo essa informação para construir a rede, as análises que foram desenvolvidas, as análises que fizemos com o dado do Brasil, poderiam ser facilmente reproduzidas em outra rede de corrupção em outros países, além de isso também ser aplicável a outros tipos de crime. Se você conseguir construir uma rede de interações entre criminosos, também poderíamos traçar esse perfil das interações entre esses criminosos.
Rio Bravo: Ainda tomando como base o artigo que foi publicado em janeiro, vocês sustentam que as informações da pesquisa podem ajudar tanto na acusação quanto na redução de futuros casos de corrupção. Explica para a gente como é que você vê esse processo em curso.
Luiz Alves: A ideia é a seguinte. Olhando para a estrutura da rede, nós conseguimos predizer se vai ocorrer uma interação entre dois agentes, entre dois corruptos, no futuro e a gente consegue dar uma probabilidade de que essa interação ocorra, de que essa ligação exista.
Rio Bravo: Identificando as pessoas.
Luiz Alves: Identificando as pessoas. Então, o que a gente sugere é que isso poderia ser usado como guia para investigação. Com os nossos algoritmos a gente testou e teve 25% de sucesso em predizer os links que iriam ocorrer no próximo ano. E se você tentar fazer um trabalho de adivinhação e tentar chutar, você tem a lista de pessoas e fala “Eu acho que essa pessoa e essa aqui vão interagir no futuro”, daí você tem uma chance de acerto de menos de 1%. O algoritmo tem uma precisão muito maior do que o achismo, então se você tenta aleatoriamente você tem uma chance de acertar muito menor. E o que a gente pensa é que isso pode ser usado para direcionar as investigações. Se você tem um link que tem uma maior probabilidade de existir, então a Polícia Federal ou o sistema de Justiça brasileiro poderiam focar em investigar esse link e não perder tempo com um link que talvez tenha uma probabilidade baixa de existir, segundo o algoritmo. Essa seria uma forma de acelerar a investigação e chegar logo a um veredito se essas duas pessoas são ou não, estão ou não envolvidas. É claro, o algoritmo não dá uma prova de que eles são, mas você poderia usar isso como um guia para obter provas concretas de que existe aí uma interação entre essas duas pessoas.
Rio Bravo: Mas vocês no artigo não identificaram quem são esses agentes, vocês não deram nomes. Por que vocês tomaram essa decisão, no caso, e como é que isso seria realizado? Vocês não temem que isso marcaria determinados personagens sem necessariamente saber se eles cometeriam atos criminosos ou não?
Luiz Alves: No nosso artigo, a gente não apresentou os nomes porque é um artigo científico, não é um artigo com viés político, então não era intenção nenhuma da gente dizer mal de alguém ou acusar alguém por um crime. Como são nomes que foram retirados da mídia, tem alguns nomes que ainda não foram condenados, então seria ruim para a gente estar acusando a pessoa de alguma coisa, sendo que não necessariamente essa pessoa foi condenada. E por isso, como isso não afeta em nada os nossos resultados, a gente decidiu não apresentar os nomes. Uma crítica que existe hoje a algoritmos de predição é que você prediz um crime que não vai acontecer e acaba condenando uma pessoa que não ia fazer o crime. Essa é uma crítica que existe e eu acho que isso pode acontecer com os algoritmos. É por isso que eu disse que ele dá uma probabilidade, então probabilidade pode acontecer ou não, é isso que tem que ficar claro. E eu acho que isso deveria ser usado como um guia para procurar provas concretas e não como um veredicto para decidir quem é culpado e quem não é culpado. Isso até abre uma discussão muito maior, que é sobre até onde a ciência social computacional pode afetar as nossas vidas e eu acho que o mais ético seria usar como um guia, não como uma ferramenta que dá um veredicto, e aí o veredicto seria dado por provas concretas, o que seria um trabalho da Polícia Federal e não de um pesquisador da USP.
Rio Bravo: Pra gente encerrar, Luiz, a pesquisa chegou até 2014, portanto, vocês não incluíram a Operação Lava Jato neste trabalho. Vocês pretendem fazer essa inclusão numa versão futura do artigo?
Luiz Alves: Na verdade, a gente até pegou um comecinho da Lava Jato. Em 2014 já tinha algumas pessoas que estavam sendo investigadas na Operação Lava Jato, mas ainda estava bem no começo, não tem muita gente nesse escândalo. O que a gente pensa em fazer agora para expandir o estudo é coletar mais dados, com mais informações sobre, talvez, o gênero, a posição no partido, a idade… Coisas mais assim, descrevendo quem são as pessoas que estão a corrupção, com informações se foram presas ou não, se foi solto u não… Ter uma informação mais completa, mas não tirada da mídia. A gente está tentando entrar em contato com o Ministério Público para ter essa informação verdadeira do que está sendo feito e aí construir a rede. E é claro que vamos incluir a Operação Lava Jato, mas a ideia é que sejam incluídos dados do Ministério Público, e não da mídia. Acho que esse seria um grande passo para ter resultados mais robustos.
Rio Bravo: Dados primários, portanto.
Luiz Alves: Sim, exato.
Rio Bravo: Olhando de fora, o quanto a Operação Lava Jato confirma ou refuta as conclusões que vocês alcançaram neste levantamento?
Luiz Alves: O que a gente fez como uma curiosidade nossa, dos autores, foi prever alguns links, algumas interações que não estavam na nossa base de dados e procurar na mídia se as duas pessoas teriam se envolvido em um escândalo e realmente a gente encontrou alguns links que aconteceram depois de 2014, em 2015 e 2016. E eu acho que vale lembrar que esse dado é subestimado, porque pode ser que a gente tenha previsto um link e a gente diz que foi uma predição errada, mas na verdade é só que não estava na nossa base de dados esse link ou que as investigações não chegaram a descobrir esse link. Existe muita especulação sobre a limitação e o poder de predição do nosso algoritmo. Claro que, tendo essas novas investigações da Lava Jato, vai ajudar a gente a convalidar esses resultados.
Fonte: “Rio Bravo Investimentos”