A tentativa de quebra da polarização entre PT e PSDB na disputa presidencial, independentemente do candidato que surja como a terceira via, não tem sido exitosa em nossa História política, e o cientista político da PUC-Rio Cesar Romero Jacob é cético quanto ao êxito dessa empreitada, pois, desde a redemocratização, não há repetição de uma terceira via solidamente implantada no território, que é onde se faz a política, com máquina, militância, uma ação no plano do territorial.
Seriam três os pilares das estruturas de poder que viabilizam a disputa eleitoral para presidente: as oligarquias nos grotões; os pastores pentecostais e os políticos populistas na periferia; e a classe média urbana escolarizada. Essa constatação fragiliza em parte a tese de que o eleitor vota no candidato, não no partido, pois o partido é fundamental para o candidato ter consistência eleitoral. A terceira via tem sido questão muito episódica, lembra Romero Jacob.
Em cada eleição houve uma preponderância: Brizola era bem votado no estado do Rio e no Rio Grande do Sul; Enéas, no entorno metropolitano; Ciro Gomes era muito centrado no Nordeste; Garotinho, muito no Rio e nos territórios evangélicos; não há a repetição, de uma eleição para outra, de uma terceira via com uma mesma base territorial. Isso se deve, segundo o cientista político, ao peso de São Paulo no jogo eleitoral: o estado tem 1/3 do PIB nacional e 1/4 do eleitorado, e os partidos solidamente implantados em São Paulo são o PSDB e o PT, o que, na sua opinião, condiciona o resto.
Ele ressalta que, em eleição presidencial, nosso sistema é bipartidário, no Parlamento é que há fragmentação eleitoral. O PSDB é forte na capital paulista e nos municípios do interior, e o PT no entorno da capital e no cinturão industrial. Esta é a primeira vez em que não há, por enquanto, candidato paulista na disputa, mas ao mesmo tempo Dilma e Aécio contarão com forças políticas importantes no estado de São Paulo.
Romero Jacob chama de maldição do terceiro colocado o que tem acontecido com os candidatos que a cada eleição surgem como novidade, mas não se firmam como alternativa de uma terceira via eleitoral que se contraponha à polarização entre PT-PSDB. Desta vez é Eduardo Campos quem aparece nesse papel.
A ex-senadora Marina, que não conseguiu partido para se candidatar e teve de entrar para o PSB como coadjuvante, pelo menos até agora vive essa maldição. Segundo Romero Jacob, a maldição pode ser medida pelo retrospecto dos candidatos que chegaram em terceiro lugar nas recentes eleições presidenciais após a redemocratização.
Ninguém emplacou na eleição seguinte. Brizola, em 1989, teve 16% dos votos, quase foi para o segundo turno contra Collor. Em 1994, teve apenas 3%; em 1998, foi vice de Lula; e terminou a carreira política sendo derrotado para senador. Enéas teve 7% de votos em 1994, caiu para 2% em 1998 e, em 2002, candidatou-se a deputado federal. Ciro Gomes teve 11% em 1998; 12% em 2002; mas, em 2006, se candidatou a deputado federal.
Garotinho teve 18% dos votos em 2002; em 2006, o PMDB não lhe deu legenda para concorrer. A senadora Heloisa Helena teve 6% dos votos em 2006 e não se elegeu senadora em Alagoas. Eles se tornam políticos regionais, caso de Ciro e Garotinho, ou locais, como Heloisa Helena, hoje vereadora em Alagoas.
Um trabalho da PUC-Rio que Romero Jacob coordena mostra que, até agora, a terceira via não se mostrou possível porque não se observa nada em comum, do ponto de vista eleitoral ou geográfico, entre os terceiros colocados nas eleições anteriores. Na verdade, cada uma das situações que levaram um candidato ao terceiro lugar foi pontual. Romero Jacob diz que nos seus estudos só há um registro de transferência de votos no segundo turno, o de Brizola em 1989, que transferiu para Lula todos os seus votos. Em 2002, por exemplo, Ciro teve 12% dos votos, e Garotinho, 18%, e os dois propuseram apoio a Lula, mas os votos foram meio a meio para Lula e Serra. Isso porque os votos de Ciro na Bahia não eram dele, mas de Antonio Carlos Magalhães, que estava em dissidência, os votos no Maranhão eram de Sarney. Assim como Garotinho, que não tinha votos na Amazônia, onde sua força vinha da Assembleia de Deus, cujo voto ele não decidia.
Em 2010, apesar de sua grande votação, Marina não transferiu votos para o Partido Verde, pelo qual concorreu. O mesmo pode acontecer com sua ida para o PSB.
Fonte: O Globo, 10/10/2013
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