Parece que esse reajuste do salário mínimo vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). E vai sair uma bela confusão. Ocorre que qualquer dos três valores em discussão (ou R$ 545, ou R$ 560, ou R$ 600) é inconstitucional, na letra da lei.
Está na Constituição: “art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Considerem uma família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando em São Paulo ou em outra região metropolitana, e está na cara que nem o valor mais alto cobre todas aquelas necessidades. Estimativas até moderadas indicam que o salário mínimo constitucional deveria alcançar algo como R$ 2.500.
Para se ter uma ideia do que significa isso, é preciso fazer algumas comparações. Primeira e mais importante: o salário médio dos trabalhadores das seis principais regiões metropolitanas, medido pelo IBGE, chegou a exatos R$ 1.515,10, em dezembro último.
Ou seja, o “salário mínimo constitucional” é quase 70% superior ao salário médio efetivamente pago na economia real. Assim, se o STF mandar pagar os R$ 2.500, vai ser uma festa nacional: a imensa maioria dos trabalhadores terá um gordo reajuste imediato.
E muitas famílias ficarão em situação mais do que confortável. O mínimo tem de ser nacional, um mesmo valor no País inteiro. E precisa atender às necessidades descritas na Constituição. Logo, é preciso fazer a conta para as famílias que moram nas áreas em que o custo de vida é o mais caro. Resultado: os R$ 2.500 vão dar em cima para os trabalhadores de São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, e vão sobrar para os moradores, por exemplo, do interior do Piauí, onde tudo é muito mais barato, do aluguel a um prato de comida. Se um residente nas cidades maiores gasta uns R$ 200 por mês apenas com condução, aquele do interior vai a pé.
Em um dado momento, havia no Brasil o salário mínimo regional, uma tentativa de adequar a remuneração às enormes disparidades de custo de vida. Mas na Constituição de 1988, sob o argumento de que não poderia haver discriminações, determinou-se que todos deveriam receber a mesma coisa. O que é falso. Os mesmos R$ 2.500 valem muito mais em determinados locais. Assim, há uma discriminação contra os moradores das áreas urbanas.
Mas, além da farra dos reajustes, o que aconteceria no Brasil se o STF mandasse o salário mínimo subir para o valor constitucional?
O déficit das contas públicas iria às alturas. Considerando que cada real a mais no salário mínimo representa uma despesa anual de R$ 300 milhões só para o governo federal – 23 milhões de aposentados e pensionistas recebem por esse piso -, o custo daquele reajuste, partindo dos atuais R$ 545, seria de nada menos que R$ 586 bilhões. Comparando: a despesa prevista pelo governo federal neste ano – para tudo, incluindo salários, Previdência, custeio e obras – é de R$ 720 bilhões.
Assim, para financiar o salário mínimo constitucional, os impostos precisariam ter uma alta imediata de uns 80%. Ou o governo federal faria uma dívida monstruosa, a qual, aumentando o risco de calote, provocaria a imediata elevação das taxas de juros.
As prefeituras do interior não teriam como pagar o salário mínimo constitucional sem o auxílio do governo federal, que já estaria suficientemente encrencado.
As empresas, tanto as privadas quanto as públicas, teriam de repassar os custos mais altos para os seus preços. Como todas fariam isso ao mesmo tempo, a inflação daria um salto para níveis iguais às da era pré-real. E muitas empresas simplesmente passariam para a informalidade, eliminando os trabalhadores com carteira assinada.
O que fecha o ciclo: todo o ganho dos trabalhadores que continuassem empregados seria comido pela inflação generalizada, pelos impostos mais elevados e pelas taxas de juros mais altas nos crediários.
Ou seja, o mínimo de R$ 2.500 rapidamente seria de novo inconstitucional, exigindo-se novo reajuste pela letra da lei. Em pouco tempo, estaríamos todos naquela espiral inflacionária que dizima o poder de compra dos mais pobres.
Pode existir uma norma constitucional mais estúpida que esta?
A rigor, a norma deveria ser imediatamente eliminada, mas qual parlamentar ou governo tomaria a iniciativa de propor isso? Quem estivesse na oposição, seja do PT, DEM ou PSDB, atacaria na hora “os inimigos do mínimo”.
E a coisa voltaria ao STF. Até onde se pode imaginar, os ministros do STF não são loucos para deliberar a favor de uma catástrofe econômica e social como descrita nesta coluna. Por outro lado, o inciso IV do artigo 7.º da Constituição de 1988 está em vigor. Logo, Suas Excelências, se provocadas nesse caso, precisarão de uma ginástica jurídica para dizer que certas letras da Constituição não valem em determinadas circunstâncias.
E depois reclamam quando o brasileiro comum também resolve que certas leis não precisam ser respeitadas.
Precisamos não apenas de uma reforma previdenciária…
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/02/2011
Já é bem evidente a estupidez, quando a lei diz “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família”. Como se todas as famílias fossem iguais ou do mesmo tamanho. Para atendê-la ao pé da letra, teríamos que nos basear pela família mais numerosa a ter que viver do salário mínimo no país. E quem saberia dizer? Provavelmente alguma família com 19, 20, 21 pessoas num rincão qualquer. Já imaginou?