Em reunião com representantes dos principais setores da indústria brasileira — que respondem por 32% do PIB industrial e 30 milhões de empregos — o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, descartou, nesta segunda-feira, a criação de um ministério da Produção, do Trabalho e do Comércio, como pedia o setor privado. Prometeu, porém, que será o interlocutor direto da classe empresarial brasileira, independentemente de quem for o escolhido para comandar a área. E que vai trabalhar para melhorar o ambiente de negócios no país.
Segundo participantes do encontro, que se estendeu por duas horas na sede do BNDES, no Rio, Guedes argumentou que a fusão do atual ministério da Indústria (Mdic) com as pastas da Fazenda e do Planejamento faz parte dos planos para reanimar a economia e, ao mesmo tempo, colocar as contas em dia. Ele também indicou algumas das empresas que devem ser privatizadas ou liquidadas: Valec e EPL (Empresa de Planejamento e Logística, criada pela ex-presidente Dilma Rousseff para tratar exclusivamente do trem bala).
— Nossa preocupação era que fôssemos ficar órfãos com o fim do Mdic. Mas o Paulo Guedes nos tranquilizou e explicou que seu objetivo também é evitar a eterna queda de braço entre a pasta com o Ministério da Fazenda que, por sua vez, sempre saía ganhando — disse ao GLOBO o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Mello.
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Sobre subsídios, o presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista, disse que Guedes afirmou que quem está acostumado a ter subsídio vai ter que aprender a viver sem.
— Ele afirmou que pretende tirar a bola de ferro da indústria para ganhar competitividade, antes de se pensar em abertura comercial. E isso será feito com a reforma tributária. Ele disse que o governo é uma fábrica de desigualdades — contou ele, afirmando que todos os empresários deixaram seus celulares do lado de fora da sala, por iniciativa deles.
Guedes prometeu fazer reuniões periódicas com os empresários e aproveitou para pedir apoio às reformas da Previdência e tributária. Ouviu dos participantes que o setor produtivo colocará as frentes parlamentares que normalmente atuam junto à área industrial para aprovar as propostas do presidente eleito, Jair Bolsonaro.
— Todas as entidades que contam com uma frente parlamentar se comprometeram em recomendar aos deputados que apoiem a reforma da Previdência e outras propostas do governo para modernizar o estado e reduzir entraves ao setor produtivo — afirmou José Velloso, o presidente da Abimaq, que reúne a indústria de máquinas e equipamentos.
Os empresários apresentaram uma pauta de reivindicações ao futuro ministro. Destacaram que, para que o país volte a crescer e gerar empregos, há dois fatores fundamentais: a retomada das 3.300 obras paradas de construção civil — pelo potencial de geração de empregos e de impulsionar a demanda em outros setores da indústria — e infraestrutura, além do crescimento das exportações. No segundo caso, a ideia é melhorar o sistema atual de devolução de impostos.
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— Todos os segmentos que estavam na reunião operam com cerca de 30% de sua capacidade ociosa, o que permite um crescimento sem risco de alta da inflação — enfatizou Mello.
Guedes explicou também ter escolhido o dono da Localiza, Salim Mattar, para a secretaria de privatizações porque precisava de um gestor para tocar o programa e que conhece o dinamismo do empresário. Destacou ainda que a empresa dele ocupa o ranking da lista da Bovespa em termos de gestão. Ele citou como exemplo de estatais a serem privatizadas ou liquidadas a EPL e a Valec.
Também durante a reunião, os empresários pediram que o próximo governo dê atenção especial à “soberania nacional” no setor de óleo e gás. Em outras palavras, o setor privado brasileiro quer que seja fixado um índice de conteúdo nacional, ou seja, que dê preferência a insumos, tecnologias e outros itens que sejam oriundos o Brasil.
Abertura unilateral é inviável
O futuro ministro da Economia apresentou as linhas gerais de seus planos para a retomada do crescimento, contou Velloso, citando a reforma da Previdência, a redução do custo do estado e da taxa de juros, passando por uma ampla simplificação tributária, como as prioridades. Questionado sobre a possível retirada de benefícios atualmente oferecidos ao setor, o dirigente da Abimaq acredita que ela pode ser compensada pela melhora do ambiente de negócios como um todo:
— Temos de abrir mão de privilégios setoriais para termos políticas horizontais. As políticas setoriais adotadas pelos últimos presidentes não deram certo, e chegamos aonde estamos. Não dá mais para ter “amigos do rei”, porque isso destrói a cadeia produtiva. Conteúdo local precisa ter competitividade para que possamos (a indústria brasileira) captar uma parte dos investimentos que virão sobretudo em infraestrutura.
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Os representantes da indústria também fizeram um apelo para que o novo ciclo de abertura comercial no país não seja feito de forma unilateral e sem dar à indústria brasileira condições para competir com os bens importados, como redução da burocracia e da carga tributária.
— Ele (Paulo Guedes) concordou plenamente que não faz sentido haver uma abertura unilateral em um mundo que está em conflito. Defendemos uma agenda de integração ao mundo cada vez maior, mas integrada a uma agenda de competitividade. E o ministro Paulo Guedes concordou que uma abertura unilateral é inviável com tantas assimetrias concorrenciais com países que manipulam o câmbio, que não têm o compliance que nós temos — contou Fernando Pimentel, presidente da Abit, da indústria têxtil, que defendeu negociações bilaterais como a que o Mercosul mantém com o Canadá.
O empresariado demonstrou a Guedes preocupação com a interlocução que terá no futuro ministério da Economia, que unirá as pastas de Fazenda, Indústria e Comércio Exterior. Os representantes setoriais defenderam a designação de um interlocutor especialmente dedicado à indústria dentro da pasta.
Os empresários apresentaram ainda sugestões de medidas que poderiam ser adotadas nos primeiros cem dias de governos para estimular as atividades do setor, a maioria delas mira em redução da burocracia e que poderiam ser adotadas sem a necessidade de passar pelo Congresso. Uma das ideias é igual à adotada pelo governo Donald Trump nos EUA, que determinou que, a cada nova regra regulatória criada, duas devem ser eliminadas. O empresariado também quer que toda nova regra tenha seus impactos na economia justificados em sua criação e a definição de janelas precisas para proposição de novas regulações no Congresso.
Na lista de demandas também estava a harmonização do prazo de pagamentos de imposto com o fluxo de caixa das empresas. Isso seria para evitar que companhias que atuem em setores com prazos de recebimento muito longos fiquem sem capital de giro por causa do pagamento de tributos.
Carlos Alexandre da Costa, que integra a equipe de transição de Guedes e é cotado para assumir a Secretaria de Produtividade, também participou do encontro. Dyogo Oliveira, presidente do BNDES, estava presente nos momentos finais do encontro, mas não fez intervenções, segundo José Velloso, presidente da Abimaq.
Fonte: “O Globo”