Quando perguntado sobre como havia esculpido uma obra de tamanha beleza como Davi, Michelangelo recorreu à lenda da escultura da Vitória de Samotrácia: dizia-se que a obra já existia ínsita ao bloco de mármore, e que apenas cabia ao escultor descobri-la, eliminando os excessos de pedra.
As instituições assemelham-se às esculturas dessa anedota, já que surgem da reiteração de ações humanas, sendo preexistentes, portanto, a qualquer ordem social legalmente estabelecida. Ou seja, cabe ao Estado plasmar essas instituições, previamente existentes e criadas pela ação humana, na Lei (Ordem Jurídica). Ou seja, a ação política estatal transforma instituições em leis. Nesse sentido, havendo alguma discordância entre a Lei e as Instituições, aquela será repelida por esta. Portanto, o Estado e as leis devem estar em concordância com as ações estabelecidas das Individualidades.
Ou seja, sempre que houver algum ruído no processo em que as Instituições passam a compor a Lei, esta apresentará alguma ineficiência. Sempre que a ação política do Estado estiver enviesada em sua tarefa de trazer as Instituições para a Lei pela captura de seus processos por grupos de interesse setoriais, a Lei não refletirá a Instituição dando ensejo ao aprofundamento de diversas mazelas e conflitos. Simplificando, podemos dizer que a Lei só estará conforme a Justiça refletir, de maneira fiel, o teor institucional.
É exatamente por isso que a Lei, refletindo o arbítrio estatal, nem sempre apresentará os caracteres da Justiça. Por outro lado, os marcos institucionais, que refletem as ações das Individualidades, estão muito mais conformes com os ditames da Justiça, também denominada de interesse público. Resumindo: o Estado possui muita dificuldade em traduzir as Instituições na Lei, isso é, dificilmente o Estado refletirá o interesse Público. Nesse sentido, qualquer bem ou serviço estatal dificilmente será público, na medida em que não terá eficientemente seus efeitos democraticamente acessíveis às Individualidades.
Ou seja, um bem ou serviço público não precisa sempre ser estatal. Aliás, é exatamente o inverso que costuma ocorrer, ou seja, qualquer serviço ou bem estatal não costuma ser público (não é democrática e eficientemente acessível a todas as Individualidades). Existem casos emblemáticos em que serviços ou bens estatais, mas geridos pela iniciativa privada, produzem seus efeitos públicos satisfatoriamente. Isso significa que o interesse estatal, no mais das vezes capturado por grupos de interesse setoriais, produz seus efeitos de maneira viciada e excludente às individualidades realmente interessadas. Ou seja, para produzir seus efeitos de acordo com a Justiça (de maneira pública, portanto), os bens e serviços devem ter sua gestão e titularidade privada, mas coordenados por marcos legais que reflitam cristalinamente as Instituições emergentes do seio social.
E por que motivos esse processo assim ocorre? É que o Estado está vinculado a leis que nem sempre refletem, de maneira eficiente, as Instituições emergentes da sociedade. Isso equivale a dizer que a Lei é a cristalização burocrática da Instituição, e essa “positivação” não ocorre de maneira isenta, sem favorecimentos a setores interessados. E o Estado, bem como os bens ou serviços de sua titularidade, não consegue se adaptar aos novos reclamos sociais sem uma alteração legal. Dessa, entretanto, faz parte a influência dos interesses setorizados, que interferem na ação política estatal na tradução das Instituições na Lei. Ou seja, a ação política estatal é intrinsecamente realizada por grupos de interesse setorizados. Já a iniciativa privada consegue, com mais agilidade e eficiência, satisfazer as necessidades das Individualidades, já que não vinculada burocraticamente às leis, nem subordinada à ação política estatal para a atualização institucional. Como exposto, a “estatalidade” dos bens ou serviços é fundamentalmente excludente, conflituosa e não consegue atingir os reclamos de eficiência.
De maneira similar, o Estado, por meio da Lei, não consegue refletir, de maneira eficiente, as prioridades e as necessidades da Sociedade. É que a produção da Lei, pela ação política do Estado, exige, para o seu normal desenvolvimento, a atração de parcelas setorizadas de interesses, que turvam a tradução legal das Instituições. Dito de outro modo, as Instituições, emergentes da ação das Individualidades, são traduzidas na Lei pela ação política estatal. Essa exige, para seu desenvolvimento, a dominação por grupos de interesse setorizados que endossam a Lei, distanciando-a das Instituições e das necessidades individuais e sociais.
Dessa maneira, a Lei não reflete as prioridades sociais. Ao contrário, a ação direta do Estado, em virtude do descasamento total entre as suas prioridades e as necessidades da população, potencializa e aprofunda as mazelas sociais. É dizer que a iniciativa privada, desde que coordenada pelos marcos institucionais emergentes, é a única capaz de diminuir as deficiências sociais, de maneira a impulsionar a Dignidade, a Democracia e a Justiça.
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