Sem uma nova crise internacional, só há dois meios de conseguir em pouco tempo um dólar a R$ 2,60, sonho confessado em público pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante o Encontro Nacional da Indústria, em Brasília. Um deles, o mais difícil, é combinar o jogo com as autoridades americanas e chinesas. O outro é demolir mais velozmente os fundamentos da economia brasileira. Os investidores estrangeiros levarão seus dólares de volta, os empresários brasileiros entrarão no jogo do salve-se quem puder, o volume de reservas diminuirá rapidamente e as contas externas ficarão à beira da crise. Se o governo caprichar, o dólar poderá subir além dos R$ 2,60, mas o resultado líquido talvez seja decepcionante.
Nessa altura, a inflação estará avançando com rapidez, empresários e trabalhadores tentarão reindexar preços e salários e as novas gerações descobrirão o Brasil do passado sem estudar História. O primeiro caminho seria muito melhor, mas a tentativa só poderia dar certo se houvesse um acordo prévio entre autoridades americanas e chinesas. Nos últimos dias, o presidente Barack Obama tentou convencer o governo da China a deixar o yuan valorizar-se. Foi ajudado nesse esforço pelo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn.
O presidente chinês, Hu Jintao, desconversou. Nada prometeu, enquanto outros funcionários foram mais explícitos. Pedir o fortalecimento de outras moedas, enquanto o dólar permanece fraco, “não é muito justo”, segundo o porta-voz do Ministério do Comércio, Yao Jian. O yuan continuará, portanto, acompanhando as oscilações da moeda americana. Se esta cair, a outra cairá também. Para a maior parte das outras economias, incluída a brasileira, é o pior dos mundos.
A recuperação da economia mundial dependerá de como Estados Unidos e China ajustarem o seu comércio. A parceria dos dois países tem consistido, até agora, num arranjo insustentável a longo prazo. Os americanos ajudam o crescimento chinês importando um enorme volume de produtos baratos. Os chineses sustentam a farra americana comprando os papéis emitidos por seus parceiros. É preciso repensar essa relação. A solução foi insinuada na cúpula do Grupo dos 20 em Pittsburgh e explicitada uma semana depois, em outubro, na reunião anual do FMI. As endividadas famílias americanas conterão seu consumo e seu governo tentará reequilibrar suas contas. Do outro lado do mundo, os chineses consumirão mais e as empresas do país conterão seu ímpeto exportador.
O arranjo, naturalmente, dependerá de algumas providências complicadas. O governo americano fechou o ano fiscal de 2009, em setembro, com um déficit de US$ 1,4 trilhão. Continuará no vermelho por vários anos, até porque não poderá, nem deverá, cortar de uma hora para outra os incentivos anticrise. Mas terá de iniciar o ajuste em 2011 ou talvez no meio de 2010. Se o ajuste for insuficiente, a dívida americana subirá como um rojão e os juros serão aumentados.
Num cenário desenhado pelos economistas do FMI, a dívida pública americana poderá saltar de 84,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 para 108,2% em 2014. A do Reino Unido subirá de 68,7% para 98,3%; a da França, de 78% para 96,3%; e a do Japão, de 218,6% para 245,6%. Nesse caso, todos serão afetados pelos juros e os mais dependentes de financiamento ficarão em dificuldades. Não é o caso do Brasil, neste momento, mas poderá ser, se o governo continuar aumentando sem critério o seu custeio, a começar pela folha de salários. Do outro lado do mundo, o governo chinês terá de mudar seu padrão de crescimento, dando mais ênfase ao consumo e menos ao investimento e à exportação. Sem isso, o arranjo global não dará muito certo, de acordo com os cenários traçados pelos especialistas nos últimos meses.
Mesmo na melhor hipótese, com americanos e chineses cumprindo seus papéis, o novo mercado global será menos hospitaleiro. Os chineses deverão importar mais, enquanto os americanos tentarão diminuir seu déficit comercial. O mercado ficará mais apertado. Os brasileiros, para competir, terão de cuidar seriamente de suas desvantagens – tributação, infraestrutura, burocracia e coisinhas do gênero. Câmbio é só parte da história. O regime atual pode ter defeitos, mas uma política de intervenção, sem contrapesos para neutralizar os efeitos inflacionários, poderia ser desastrosa. Controles de preços obviamente não seriam a solução. Menos desperdício, mais competência no governo e menos estupidez tributária são respostas mais sensatas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, publicado em 19 de Novembro.
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