Nos primeiros dias deste ano, o governo americano anunciou medidas destinadas a facilitar viagens e remessas de dinheiro a Cuba. Na verdade, trata-se de um passo ao mesmo tempo tímido e ousado em direção à normalização das relações com a ilha. Tímido, porque limitou-se a medidas de reduzida magnitude; ousado, porque desafia poderoso lobby contrário a qualquer mudança na política vis à vis a Cuba de Fidel Castro.
Definida há 50 anos, sob o clima da guerra fria, a política dos Estados Unidos com respeito a Cuba é de uma incoerência assombrosa. O aspecto ineficaz dessa política é o bloqueio econômico e diplomático imposto há várias décadas, a mais severa sanção unilateral ainda praticada pelos norte-americanos contra um país. Nada justifica a ditadura Fidel, mas o método adotado por Washington para tentar influir no destino do pequeno vizinho provou ser equivocado e, de fato, contribui para perpetuar o sistema de governo que os EUA sonham em mudar.
Se Cuba estivesse aberta aos empresários estadunidenses e mais bem integrada à comunidade panamericana, seria mais fácil induzir um processo de abertura política e o sepultamento do esclerosado regime comunista. Canadá, México, França, Itália e Espanha são alguns dos países que realizam investimentos em Cuba, mas nada comparável à dimensão que os EUA poderiam alavancar.
O argumento usado por Washington para explicar sua atitude é o fato de a Ilha encontrar-se subjugada a um regime autoritário, comunista e infrator dos direitos humanos, o que é verdade. Ora, mas então como justificar a lua-de-mel com a China e o Vietnã? Esse é um dos aspectos mais intrigantes da questão: o contraste entre o comportamento dos EUA ante Cuba e ante outros países também não classificáveis como democracias liberal-capitalistas.
Desde os anos 90 os EUA mantêm laços comerciais privilegiados com a China e, hoje, as transações entre os dois países atingem níveis gigantescos. Em 1994, o presidente Clinton suspendeu o embargo comercial ao Vietnã, no ano seguinte foram restabelecidas as relações diplomáticas e em 1999 intensificaram-se os vínculos econômico, político e cultural. Essas decisões americanas contribuíram para o avanço da privatização nesses dois países.
Se Washington dialoga com o Vietnã, país comunista contra o qual envolveu-se em dolorosa guerra, por que não com Cuba? Se o presidente da China, onde os direitos políticos e humanos são desprezados, foi recebido calorosamente nos EUA, em janeiro, por que o isolamento de Cuba?
Apesar do absurdo de tal situação, os países latino-americanos exibem uma omissão olímpica, abstendo-se de intermediar uma solução ao conflito. Esse seria um excelente objetivo para o Itamaraty. Enquanto a América Latina silencia-se (e Hugo Chavez atiça o confronto), parcelas esclarecidas da sociedade norte-americana se movimentam pela reconciliação. Embora ainda tímidas, verificam-se demonstrações nesse sentido por parte de empresários, políticos, intelectuais e jornalistas.
Ao longo da década de 90, surgiram alguns sinais de mudança: organizadores americanos de feiras tentaram montar exibições em Havana; centenas de empresários e líderes civis visitaram a Ilha, inclusive representantes da Câmara de Comércio dos Estados Unidos e da Federação de Produtores Rurais. Os setores farmacêutico, hoteleiro e de diversões manifestaram desejo de investir. A cidade de Baltimore promoveu um intercâmbio, levando à ilha dezenas de funcionários municipais e outros cidadãos atuantes em assistência médica, religião, arte, educação e esporte. Instituições judaicas dos dois países criaram linhas de cooperação. O presidente Clinton amenizou obstáculos a viagens de americanos a Cuba e de cubanos aos EUA.
Esses sinais de abertura foram eliminados pelo governo Bush. Será que Obama terá coragem suficiente para acelerar mudanças substanciais de estratágia?
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