A revolução grega acabou antes de começar. A aprovação, pelo parlamento, do pacote de reformas negociado com a União Europeia (UE) assinala o esgotamento do impulso de ruptura que conduziu o Syriza ao poder em janeiro. Na imaginação militante dos analistas radicais, a cisão da ala esquerda do Syriza com o primeiro-ministro Alexis Tsipras anuncia uma “segunda revolução”. Mas o modelo mítico da Rússia de 1917 não se aplica à Grécia de 2015. Tsipras cedeu porque, na encruzilhada decisiva, a maioria dos gregos prefere a Europa, mesmo com austeridade, à aventura da revolução. É a prova de que a Europa tornou-se, antes de tudo, um limite ideológico.
[su_quote]Os gregos, como os demais povos europeus, aprenderam o suficiente depois de uma guerra geral e quase meio século de Guerra Fria[/su_quote]
O Syriza venceu as eleições iludindo os gregos. O partido da esquerda radical prometeu, ao mesmo tempo, encerrar a austeridade e conservar o país na Zona do Euro. Sugeriu-se que, ao longo das extenuantes negociações dos últimos meses, a Alemanha buscava empurrar a Grécia para fora do trem da UE. No fim, ficou patente que o objetivo alemão não era jogar a Grécia na beira da estrada, mas chamar o blefe do Syriza. Sob o comando de Angela Merkel, a Europa ofereceu um resgate multibilionário, atrelando-o firmemente a uma coleção de reformas econômicas e políticas. Tsipras convocou o povo a rejeitar em referendo o diktat europeu –para, logo em seguida, inclinar-se a ele. Na hora da verdade, entre a Europa e a revolução, escolheu a primeira.
Tsipras blefou, duplicou a aposta –e perdeu. A cisão de seu partido, esboçada pela demissão do combativo ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, no dia seguinte ao referendo, completou-se com a votação parlamentar do pacote europeu. Coerentes com o “não” dos eleitores, mais de um quarto dos deputados do Syriza recusou-se a acompanhar o primeiro-ministro, impondo-lhe a suprema humilhação de constituir uma maioria com os partidos tradicionais relegados à oposição. Em condições normais, o zigue-zague de Tsipras, concluído por uma traição direta à vontade aparente do eleitorado, determinaria a sua morte política “” e indicaria o rumo da “segunda revolução”. Contudo, o sonho do “assalto ao Céu” não está ao alcance da ala esquerda do Syriza pois a Europa sedimentou-se como barreira intransponível à utopia revolucionária.
Desde 2010, sob o impacto da recessão e das políticas de austeridade, emergiram correntes esquerdistas antieuropeias nos países do Mediterrâneo. A Grécia, cujo PIB encolheu em assustadores 25% durante esse período, é o célebre “elo mais fraco” da trama da Europa. Mesmo assim, segundo as sondagens de opinião, a meia-volta de Tsipras conta com o apoio da maioria da população, que não parece disposta a seguir a ala esquerda do Syriza na direção de um “Outubro” bolchevique. Os gregos, como os demais povos europeus, aprenderam o suficiente depois de uma guerra geral e quase meio século de Guerra Fria. Europa, para eles, não é uma moeda ou um mercado comum, mas o nome das liberdades políticas e econômicas asseguradas contra dois totalitarismos gêmeos.
No horizonte de Tsipras está uma conferência extraordinária do Syriza, para derrotar a dissidência revolucionária, e a convocação de eleições parlamentares antecipadas, para legitimar as reformas exigidas pela Europa. Por essa via acidentada, nasce um novo partido social-democrata na Grécia, em substituição ao desmoralizado Pasok. O isolamento da ala revolucionária do Syriza representa um profundo golpe político no Podemos, o partido esquerdista que acalentou a ilusão de reproduzir, na Espanha, o roteiro da ruptura grega.
Chamando o blefe do Syriza, a Alemanha venceu mais que uma batalha periférica na Grécia. Nas eleições gerais de novembro, os líderes do Podemos terão que dizer a verdade aos eleitores espanhóis, propondo-lhes uma escolha entre o euro e a revolução. É a receita certa para o fracasso.
Fonte: Folha de S.Paulo, 01/08/2015.
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