A atual situação da infraestrutura brasileira, segundo especialistas, lembra a de uma casa que está desmoronando. Quase metade das estradas federais está em más condições. O país tem apenas 14 mil quilômetros de ferrovias operacionais. Os planos para alavancar a navegação de cabotagem (aquela feita entre portos nacionais) não passaram da fase de diagnóstico. Há ainda entraves como processo de licenças ambientais, contratos de concessão imprecisos e agências reguladoras com pouca autonomia.
Os problemas e possíveis soluções para transporte e logística foram debatidos no evento “E agora, Brasil?”, promovido pelos jornais “O Globo” e “Valor Econômico”, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do banco Modal. Realizado em 26 de julho, no Instituto Tomie Ohtake, foi o primeiro da série de debates “E agora, Brasil?”em São Paulo.
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Participaram o diretor-presidente da concessionária de rodovias Arteris, David Díaz; o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges; o vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Cleber Cordeiro Lucas; o coordenador do núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende; e o secretário do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), do governo federal, Adalberto Vasconcelos.
O evento foi aberto pelo diretor de Redação do GLOBO, Alan Gripp, que citou o impacto da greve dos caminhoneiros na atividade econômica como prova da excessiva dependência que o país tem de um único meio de transporte de cargas.
O debate foi mediado por Flávia Barbosa, editora executiva do GLOBO, e Daniel Rittner, repórter especial do Valor, especializado em infraestrutura. Estavam presentes o diretor-geral de Infoglobo, Editora Globo e Valor Econômico, Frederic Kachar, e a diretora de Redação do Valor, Vera Brandimarte.
— O Brasil perdeu a capacidade de fazer planos de Estado. É preciso ter a convicção de que não vamos avançar sem infraestrutura. Isso é prejudicial à economia e também socialmente, para a geração de empregos — afirmou César Borges, que foi ministro dos Transportes no governo Dilma Rousseff.
Borges ressaltou que, enquanto o Brasil é a nona maior economia do mundo, sua infraestrutura está na 73ª posição num ranking de qualidade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, com 137 países. O Brasil fica atrás, por exemplo, de China (46ª), Uruguai (45ª), Chile (41ª) e Rússia (35ª). O país tem investido, em média, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura, quando deveria despender pelo menos o dobro disso, por no mínimo 25 anos, para universalizar serviços básicos para a população.
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Excessivamente dependente de rodovias, o país ficou refém durante a paralisação dos caminhoneiros. Resende, da Fundação Dom Cabral explica que, conforme uma classificação de A a F, sendo A uma rodovia em excelentes condições, atualmente 45,3% das estradas brasileiras estão em situação D, E e F, índices considerados ruins. Ele ressalta que, segundo suas estimativas, que consideram projetos em andamento e já comprometidos, em 2025 o Brasil terá uma situação de infraestrutura ainda pior, com 50% de trechos das estradas federais em D, E e F, atingindo 57,5% em 2035.
— É dramática a situação de vidas perdidas nas nossas rodovias — disse Resende, que lamenta ainda o fato de o país não aproveitar seu potencial hidrográfico.
Segurança jurídica
Numa crise fiscal sem precedentes, o país precisa atrair investimentos privados para a infraestrutura, mas a insegurança jurídica cria um ambiente de desconfiança, dizem os especialistas. Para mudar esse quadro, o Brasil tem de reinventar a gestão pública, que não sabe direcionar os investimentos, criar arcabouços legais e ter agências reguladoras tecnicamente fortes. Díaz, da Arteris, avalia que o Brasil precisa dar um salto no investimento em infraestrutura, para algo como 6% do PIB. Segundo ele, há recursos disponíveis no mundo, mas estes buscam projetos de qualidade e ambientes com segurança jurídica. Díaz citou as dificuldades no Brasil para se aprovar licenças ambientais:
— Quando há um licenciamento simples, o Ibama funciona bem. O grande desafio é quando há a necessidade de preservação ambiental. E, nos contratos, o risco ambiental é normalmente transferido para as concessionárias. Quando apresentam suas propostas, elas não sabem quais serão as compensações pedidas pelo Ibama ou pela Funai.
Já o vice-presidente do Syndarma, Cordeiro Lucas, lembrou que o país não explora o enorme potencial da navegação de cabotagem. Ele observou que o combustível usado na cabotagem custa 20% mais do que o da navegação de longo curso. Mesmo assim, diz, a cabotagem tem crescido a um ritmo de 10% ao ano:
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— Não estamos falando em subsídio. Mas, na Espanha e na Itália, o embarcador da cabotagem tem um incentivo direto. Há uma política de governo que privilegia os modais mais eficientes.
Vasconcelos defende um pacto entre os três Poderes, incluindo o Tribunal de Contas da União (TCU), para destravar a infraestrutura brasileira. Ele reconhece os problemas para atrair o investimento privado, mas afirma que o PPI vem trabalhando para oferecer projetos. Segundo Vasconcelos, já foram qualificados 191 projetos, sendo 95 passados à iniciativa privada:
— Em óleo e gás, não tínhamos licitação desde 2013, e agora os leilões estão batendo recordes. Em portos, não tínhamos licitação desde 2014, e agora já temos 13 contratos assinados. Quando se fala que o PPI não deu resultado, os números provam o contrário.
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David Díaz, diretor-presidente da Arteris: — O governo precisa de senso de urgência. Investimento em infraestrutura vai trazer competitividade ao país.
Adalberto Vasconcelos, secretário do PPI, do governo federal: — É preciso continuidade administrativa e ter planejamento de forma integrada.
Cleber Cordeiro Lucas, vice-presidente do Syndarma: — A cabotagem e o transporte marítimo precisam de uma política pública.
César Borges, ex-ministro e atual presidente da ABCR: — É preciso aproveitar a experiência do passado, aprimorá-la e fazer investimentos.
Paulo Resende, coordenador da Fundação Dom Cabral: — Ética e cobrança são necessárias, além de punição para quem promete muito e não faz nada.
Fonte: “O Globo”