BRASÍLIA – Bruno Funchal e Jeferson Bittencourt, ex-secretários da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defendem a criação de uma regra com um “objetivo” para a dívida pública como forma de levar ao equilíbrio nas contas do país.
Bruno Funchal e Jeferson Bittencourt, explicam com exclusividade os principais pontos da análise sobre os impactos do alto endividamento na economia brasileira
Em artigo publicado pelo Instituto Millenium, os dois economistas afirmam que o desrespeito às regras que regem as contas públicas geram custos para a sociedade, com redução do emprego e da renda, via aumento dos juros da economia.
Funchal e Bittencourt foram secretários do Tesouro e Orçamento e do Tesouro Nacional, respectivamente. Deixaram o governo no ano passado após discordarem de mudanças no teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil (novo Bolsa Família). O teto de gastos é a regra que trava o crescimento dos gastos federais.
Em outro artigo, os dois mostraram que o aumento do endividamento do país e o desequilíbrio das contas públicas atrapalham o crescimento da economia brasileira, reduzindo a geração de emprego e renda.
Porém, eles defendem que a âncora da dívida seja acompanhada por regras operacionais. “Aqui vale destacar que o instrumento para controle do endividamento se dá pelo lado da despesa, uma vez que a carga tributária do país já está em níveis muito acima dos pares”, ressaltam.
— O caminho da consolidação é longo para conduzirmos a política fiscal olhando somente para trás. Precisamos olhar para a frente. O primeiro passo é convencer a sociedade de que as regras fiscais são importantes para sua própria prosperidade. Assim, políticos e tomadores de decisão também serão convencidos. Mas é preciso ficar claro: não há desenho de regra que prospere num país onde não se acredite que é importante ter contas públicas ajustadas — disse Bittencourt.
Eles sugerem que o arcabouço de regras fiscais seja construído para que a dívida bruta não seja superior a 60% do PIB, nível compatível com países emergentes, para que o Brasil tenha espaço fiscal para se endividar nos momentos de crises. Hoje, a dívida do país é de 81,1% do PIB.
Para atingir esse resultado, eles sugerem duas regras operacionais para gestão da política fiscal: a regra de resultado primário e a regra do teto dos gastos.
“Especificamente em relação ao limite de despesa, num primeiro momento, até que se consolide no meio político a sua importância, seria importante mantê-lo como regra constitucional conforme estabelecido no teto de gastos. Após esta afirmação, e com a dívida em patamares menores, seria possível pensar trazer esta limitação para ser estabelecida por lei complementar, até para que seja possível ter mais liberdade para definição dos dois instrumentos de controle dos resultados”, defendem no artigo.
Após a dívida bruta alcançar o nível desejado, o compromisso de cada governante seria manter a dívida sempre abaixo desse patamar, defendem. “Essa é a condição fundamental para a expansão do setor produtivo e para a geração de emprego e renda”, acrescenta o texto.
— Avançar institucionalmente nas regras fiscais é base para a boa gestão das contas públicas. A responsabilidade fiscal não é um fim em si mesma, mas é condição necessária para viabilizar crescimento econômico e políticas públicas para aqueles que mais precisam. De forma simples podemos dizer que é preciso cuidar das contas para cuidar das pessoas. Temos que aproveitar o momento para discutir essa agenda tão importante para o país — disse Funchal.
O artigo defende que as regras fiscais têm potencial para corrigir incentivos perversos e conter pressões para o aumento de gastos públicos, especialmente em tempos de bonança. Por isso, incertezas sobre o arcabouço fiscal e sobre a trajetória de despesas fazem subir os juros. No artigo, eles citam quatro momentos em que a dúvida sobre o teto de gastos gerou alta nos juros.
“A cada momento em que se coloca em discussão a flexibilização das regras fiscais, custos são gerados para a sociedade em termos de emprego e renda, via aumento dos juros da economia”, explicam.
Eles mostram que, recentemente, isso ocorreu durante a sanção do Orçamento de 2021, com a possibilidade de investimentos fora do teto de gastos, com a PEC dos Precatórios e a mudança na regra do teto para viabilizar o Auxílio Brasil — situação que levou à saída dos dois do governo. Em todos os momentos, a curva de juros subiu.
Fonte: “O Globo”, 19/01/2022
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