Quem coloca seus filhos na escola privada faz a pergunta antes de matriculá-los — e só os matricula se a resposta for satisfatória. Os que matriculam seus filhos na escola pública estão condenados a receber qualquer resposta, e, pelo que vemos nos resultados, condenados a se alfabetizar por ensaio e erro, por conta própria.
Antes de dizer qual é a resposta certa é preciso definir o que é alfabetizar. Essa definição existe há cerca de 3.000 anos, mas foi obliterada pelas discussões pedagógicas iniciadas a partir dos anos 70 no Brasil. Um seminário promovido no Insper pelo Núcleo Ciência pela Educação, no último dia 7 de março, reiterou as conclusões apresentadas em dois relatórios anteriores da Câmara dos Deputados e da Academia Brasileira de Ciências.
Alfabetizar significa compreender o funcionamento do código alfabético. Esse código refere-se à correspondência entre as letras do alfabeto (grafemas) e os fonemas da língua que eles representam. Dominar o código significa ser capaz de identificar o som da palavra, e, a partir daí, o seu sentido (leitura). Ou reproduzir o som ouvido por escrito. Uma pessoa alfabetizada é capaz de ler e escrever qualquer palavra que seja escrita na sua língua — mesmo que não conheça o seu sentido ou que a palavra ainda não tenha sido inventada. Lembra-se de que só na Copa do Mundo da África do Sul ouvimos a palavra “vuvuzela” pela primeira vez? Mas ninguém que foi alfabetizado teve dificuldade de lê-la ou escrevê-la.
Poucas crianças são capazes de descobrir os segredos do código alfabético por conta própria. Para essas não se aplica a pergunta — elas se alfabetizam sozinhas ou com algum incentivo e ajuda dos pais. A maioria esmagadora das crianças não descobre isso sozinha, precisa ser alfabetizada. Esse processo deve se dar no 1º ano escolar — que em alguns países ocorre aos 5, em outros aos 6 e em alguns aos 7 anos. Na maioria dos países a criança leva alguns meses para ser alfabetizada, no máximo um ano. Portanto, temos a resposta: a criança deve ser alfabetizada no primeiro ano da escolaridade formal. No Brasil isso ocorre aos 6 anos.
Cabe examinar a pergunta dos ansiosos: faz mal alfabetizar antes? Há vantagens? Mal não faz, se for feito de maneira adequada. Mas há outras coisas muito mais importantes que a criança deve fazer antes de entrar para a escola. Os benefícios não compensam o custo a ser pago. E também cabe examinar a pergunta que nunca se faz: faz mal alfabetizar depois? Sim, e muito. A criança alfabetizada vai se tornando um leitor autônomo. A outra não tem autonomia, é dependente, e isso só piora ao longo do período escolar.
Fonte: “Veja”, 14 de março de 2017.
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