As crises financeiras são recorrentes. Apresentam-se sob diversas modalidades. “Mas, se existe um tema comum a todas elas, é o risco sistêmico criado pelo endividamento excessivo. Dois tipos de crise são particularmente relevantes nos dias de hoje: as crises bancárias e as crises das dívidas soberanas”, registram Reinhart e Rogoff, em “Oito séculos de delírios financeiros: desta vez é diferente” (2009). Pois foram devastadores os excessos cometidos por financistas anglo-saxões contra o regime fiduciário ocidental e os abusos da socialdemocracia europeia contra as possibilidades de financiamento sustentável das redes de solidariedade e de assistência social.
Os mercados financeiros temem um calote da Grécia, um novo “episódio Lehman Brothers”, agora na Europa. Os gregos descobriram, irritadíssimos, que nem os deuses do Olimpo podem garantir o paraíso social-democrata na Terra. São incumpríveis as promessas de bemestar feitas por uma classe política irresponsável. Empreguismo, corporativismo, inchaço do setor público, benefícios e aposentadorias irrealistas, sob o embalo da utopia social-democrata, estouraram os orçamentos públicos. E agora se encontram trancados na jaula do euro, da qual não conseguem escapar.
Uma das dimensões da crise é o risco de crédito da Grécia diante de sua capacidade de disciplina fiscal. Não acredito nos eventos extremos: nem no calote grego em meio à fuga da Zona do Euro, nem no sucesso de seu programa de ajustamento. O mais provável, como nós mesmos experimentamos no passado, é uma dolorosa sequência de tentativas de ajuste, desembocando em uma reestruturação da dívida soberana. Os gregos fazem o que for politicamente possível, o FMI e a União Europeia entram com mais dinheiro, mas os bancos privados levam também uma mordida. Por que isso não acontece logo? Medo de contágio, uma onda de calotes dos governos nacionais derrubando de vez o sistema bancário europeu.
Outra dimensão da crise é o futuro do euro. Quem confunde o problema dos diferentes riscos de crédito dos governos nacionais europeus com o destino da moeda continental tem dificuldades de explicar a relativa força do euro ante supostos e iminentes calote grego e contágio do sistema bancário europeu. Pois, se apenas a Grécia abandonasse o euro, a moeda estaria ainda mais forte, e isto, sim, desagradaria aos alemães. Suportariam mesmo Apolo e Dionísio tanta verdade?
Fonte: O Globo, 27/06/2011
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