Uma das razões do atraso brasileiro é o nível de nossa educação. O problema vai muito além do que supõe a maioria das pessoas. É muito comum que esse atraso seja associado a problemas como precariedade física das escolas, elevada evasão de professores etc. Questões como essas são relevantes. Fazendo uso de uma antiga expressão, porém, “o buraco é mais embaixo”. Um dos maiores desafios que o país enfrenta — e que afeta todas as classes sociais — é algo que pode soar estranho aos leitores, mas que procurarei justificar no artigo: uma grande proporção dos brasileiros simplesmente não sabe como funciona o capitalismo. E isso começa pela elite.
O que irei transcrever é uma questão aplicada anos atrás na prova de geografia do último ano do ensino fundamental de uma das melhores escolas privadas do país, que sempre figura entre as primeiras no ranking do Enem. Poderia ter optado por outro texto de outro estabelecimento de ensino, porque exemplos como este há aos montes. Escolhi a questão, porém, porque ela sintetiza vários dos vícios da catequese anticapitalista pregada em muitas dessas escolas nas aulas de geografia, história e — até mesmo — religião.
A pergunta da prova foi: “Até os dias atuais, muitos países pobres ainda estão pagando os empréstimos tomados no exterior e mesmo tomando novos empréstimos. A consequência é muito grave, pois ao pagar as dívidas e os juros, resta-lhes pouco dinheiro para investir em educação, saúde, saneamento básico etc. Nessas condições, é difícil realizar o desenvolvimento econômico e social. A dívida externa torna-se um grande obstáculo para os países pobres. Cite dois obstáculos que essa dívida externa produz”. Trata-se de um massacre: em apenas 5 linhas, subliminarmente, o pobre do garoto de 14 anos aprende que:
1 – cobrar as dívidas, por parte do credor, prejudica os devedores;
2 – pagar os juros de uma dívida é algo negativo;
3 – seria melhor que os juros não fossem pagos;
4 – contratos não deveriam ser plenamente considerados; e
5 – a culpa dos problemas do país é dos credores externos.
Na cabeça ingênua — e propensa a dividir o mundo em bases maniqueístas — de um adolescente, a conclusão é clara: o sistema é injusto. Daí a que esse jovem se torne um adulto completamente despreparado para enfrentar o mundo da competição, é só um passo. A continuar nesse ritmo, cinco anos depois ele estará engrossando as passeatas contra a globalização e o neoliberalismo.
O que caberia a um professor, comprometido com a preparação do aluno para um mundo competitivo, fazer para treinar esse indivíduo para a vida adulta? Poderia, por exemplo, expor a mesma questão em sala de aula, induzir a resposta óbvia que 99 entre 100 garotos tenderão a dar (justificando o “calote” das dívidas) e sugerir, a continuação, o seguinte raciocínio:
“Vamos imaginar a situação de um senhor de 50 anos que trabalha desde os 15 anos e, após 35 anos de sacrifício, conseguiu não apenas poupar para ter uma modesta casa própria, como também construir uma casa ao lado, que aluga para um inquilino há 10 anos. Imaginemos que um dia o inquilino bate na porta do proprietário e diz que o pagamento do aluguel está prejudicando a capacidade dele de gastar dinheiro em comida e que, como está pagando aluguel há 10 anos, não vai pagar mais, mas vai continuar morando na casa. O que vocês acham disso?”.
Provavelmente, 100% da audiência iria achar a atitude do inquilino um completo despropósito. O cenário estaria pronto então para o professor levar os alunos a fazer as seguintes perguntas: “Por que quem tinha um capital de R$ 50 mil na forma de uma casa tem todo o direito de continuar a ser remunerado por permitir seu uso pelo inquilino, recebendo um pagamento em troca, enquanto que o banco que emprestou R$ 50 mil a alguém não vai continuar a receber juros pelo seu empréstimo? Se o devedor que pagou juros durante anos julga que a dívida não deve mais ser paga, qual é a diferença que justifica que o inquilino que pagou pelo uso da casa durante anos não siga a mesma lógica? Afinal, um empréstimo e uma casa são duas expressões do mesmo: um capital”.
A realidade é que a maioria de nossas escolas não prepara os alunos e futuros adultos para encarar a realidade dura com a qual terão que conviver. O futuro cidadão aprende a se revoltar com o país e com o ambiente em que habita, mas sabe muito pouco sobre o que as nações fizeram para triunfar nesse mesmo mundo. Ele é muito mal preparado para encarar o mundo e a vida, o que requer, fundamentalmente:
1- entender que a obediência à Lei deve ser uma das bases da prosperidade; 2- perceber que o destino de cada indivíduo na vida dependerá em boa parte do esforço e da capacitação que for adquirindo ao longo dos anos; e 3- ter um bom ensino de português, de língua estrangeira, de ciências e de matemática.
Em suma, se queremos que o país seja mais competitivo, teremos que fazer com que nossas escolas preparem os alunos para enfrentar a competição. Estamos a anos-luz disso.
Fonte: “Valor econômico”, 14/06/2017.
No Comment! Be the first one.