Apesar de o BC ter desistido de trazer a inflação à meta, adotando um objetivo para lá de medíocre (alcançar um número menor do que o de 2012), e a despeito de controles de preços como havia muito não se via, aquela atingiu 5,91% em 2013, ficando pelo quarto ano consecutivo bastante acima de 4,5%.
Sob a atual diretoria o desvio da inflação com relação à meta foi, em média até agora, 1,6% por ano, marca nada invejável, ainda mais num ambiente global em que o problema tem sido precisamente o oposto.
Há quem ainda acredite, equivocadamente, que o problema vem dos preços dos alimentos. Estes, de fato, subiram fortemente no ano passado, quase 8,5%. Os preços dos produtos consumidos no domicí- lio aumentaram 7,7%, enquanto o preço da comida fora de casa se elevou ainda mais, 10%, discrepância relativamente modesta, mas reveladora.
Mais importante, porém, é a diferença entre os preços dos alimentos no atacado e no varejo. De acordo com a Fundação Getulio Vargas, os preços de produtos agrícolas no atacado caíram 1,8% no ano passado, desempenho difícil de reconciliar à primeira vista com o comportamento dos preços ao consumidor.
A verdade, porém, é que, em ambos os casos, as razões da discrepância são as mesmas, associadas de perto à natureza da inflação dos últimos anos.
Considere a diferença entre a inflação de alimentos no domicílio e fora dele. É claro que o prato de arroz e feijão consumido fora do domicílio é distinto daquele servido em casa. No primeiro caso há custos, tais como aluguéis, o salário do cozinheiro, dos garçons etc., não presentes no segundo. Posto de outra forma, o prato do restaurante contém uma medida considerável de serviços além de arroz e feijão.
Da mesma forma, os alimentos colocados à disposição dos consumidores num supermercado carregam consigo uma variedade de serviços: aluguéis, transportes, pessoal etc. O feijão do varejo não é o mesmo feijão do atacado, mas um produto mais elaborado (por exemplo, está ao alcance do consumidor, que não precisa viajar para uma região produtora para obtê-lo).
O conteúdo de serviços explica, pois, por que o feijão do supermercado é mais caro que o do atacado e, da mesma forma, por que o prato de feijão do restaurante é ainda mais caro, mas não esclarece o motivo de o ritmo de aumento de preços ser distinto.
Ocorre que a inflação de servi- ços tem sido particularmente intensa. Apenas no ano passado atingiu pouco menos de 9%, bastante acima do IPCA.
Não é difícil entender essa dinâmica. Por um lado, premidos por um mercado de trabalho bastante apertado, os salários têm aumentado a uma velocidade bem maior que a da produtividade do trabalho.
Assim, nos 12 meses terminados em novembro de 2013, o salário médio nominal aumentou 8%, enquanto o crescimento da produtividade deve ter ficado na casa de 1%, implicando aumento do custo unitário do trabalho.
Por outro lado, ao contrário dos bens em geral, serviços não estão sujeitos à concorrência internacional. Enquanto no caso dos primeiros o repasse dos custos é limitado pelo preço do concorrente externo, quando se trata de serviços, o limite é a demanda, isto é, quanto o consumidor está disposto a pagar. Em particular, a demanda tem sido forte o suficiente para acomodar aumentos da ordem de 9% nos últimos três anos.
É este o fenômeno que elucida o aparente paradoxo de preços de alimentos em queda no atacado e em alta no varejo: trata-se da “face oculta” da inflação de serviços.
Esclarece também, a propósito, a miopia dos que fazem uma explicação “contábil” da inflação, apenas multiplicando os aumentos de preços dos produtos por sua ponderação no IPCA. Sem uma base teórica que lhes permita entender o comportamento por trás dos fatos econômicos, repetem chavões sobre preços de alimentos e não conseguem capturar os elementos essenciais da dinâmica inflacionária no Brasil.
Fonte: Folha de S. Paulo, 15/01/2014
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