Em poucos dias, os brasileiros conviveram com duas faces deste governo. Ontem, os projetos apresentados pela equipe de economia, chefiada por Paulo Guedes, para implantar o que chamam a Nova Previdência. Dias atrás, os do ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, para combater o crime organizado e a corrupção.
São trabalhos altamente competentes, que podem ser criticados e alterados pontualmente no Congresso, mas, sobretudo, revelam que a parte dos eleitores que votou em Bolsonaro estava certa na confiança de que o papel dos dois seria seminal para o novo governo.
A outra face, revelada pela irrelevância das causas que provocaram a crise institucional recente, confirma os prognósticos pessimistas de que o presidente Bolsonaro traria para o novo governo não o ar puro de que o país tanto precisa, mas o sufocante clima de antagonismo permanente que vem dos governos petistas.
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São modos de agir populistas do mesmo quilate, que se alimentam de embates, reais ou imaginários. Esse já está sendo o maior problema dessa gestão, e nada indica que possa mudar. Ontem mesmo o presidente estimulou a presença em Brasília de seu filho, vereador pelo Rio, Carlos Bolsonaro, o pivô da crise.
Gostar de filhos próximos, até mesmo ouvi-los em questões políticas, é humano. Mas deixá-los manipular as crises de acordo com seus interesses particulares, e incentivá-los, é um perigo institucional.
A apresentação da PEC da Previdência e o pacote do Moro são partes de um governo prejudicado por deficiências do presidente e da visão medíocre de grande parte dos ministros, que seguem a linha ideológica radicalizada que o próprio e seus filhos impõem em certas questões.
Bolsonaro tem repetido sempre que as decisões do seu governo não seguirão uma linha ideológica, como acontecia com os governos petistas. Na prática, essa afirmação carrega uma incompreensão do que seja ideologia, que pode ser de esquerda ou direita.
Apenas significa um conjunto de ideias que une grupos de pessoas como, por exemplo, os adeptos de Bolsonaro, não necessariamente os que votaram nele. O que está se vendo na composição do Ministério, naqueles campos que não são técnicos, é que se mudou de ideologia. Em vez do esquerdismo petista, uma direita extremista dando as cartas em setores importantes.
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Como a ministra que defende cores para definir a sexualidade da criança, em contraposição ao que considera pernicioso, a sexualização das crianças.
Outro ministro que, nomeado para tratar do meio ambiente, se mostra mais disposto a defender os que o atacam, também para reverter uma situação que pode parecer a muitos excessiva, mas nunca ser menosprezada, como aconteceu com a figura do ambientalista Chico Mendes.
Um ministro das Relações Exteriores que, para reverter uma situação distorcida do Itamaraty petista que tirou a obrigatoriedade do inglês no concurso do Instituto Rio Branco, e dava mais valor político ao Terceiro Mundo do que aos parceiros ocidentais desenvolvidos, agora também retira do currículo matérias sobre a América Latina. E se coloca diante dos Estados Unidos em atitude quase subserviente.
Os que alimentam o lado obscuro do governo ficarão isolados, ou assumirão de vez as suas rédeas? Essa é a grande questão. Se Bolsonaro entendesse que é o presidente de todos os brasileiros, mesmo daqueles que o combatem, daria para fazer muita coisa.
O ex-presidente Lula, hoje na cadeia, atingiu o auge de sua popularidade enquanto manteve a abertura de seu governo, tirando-o de um nicho radicalizado. A decadência de seu projeto começou quando se sentiu forte o suficiente para voltar à radicalização que estava na base do PT. O esquema de corrupção institucionalizado em seu governo encarregouse de desmascará-lo, e por isso ficou isolado na sociedade.
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Bolsonaro está fazendo o contrário, seguindo com sua postura extremista de palanque, dando continuidade à política do “nós contra eles”. Por parte dos petistas, era apenas uma estratégia política. Na Era Bolsonaro, há um ingrediente de paranoia.
Se acha que foi eleito só por isso, está enganado. Ainda tem popularidade suficiente para seguir em frente, podendo tornar-se um grande líder político. Mas precisa sair da bolha radicalizada em que ele e seus filhos fazem questão de permanecer.
Fonte: “O Globo”, 21/02/2019