Desde 2015, o Rio de Janeiro atravessa a maior crise de sua história. Atingido pela queda na arrecadação dos royalties do petróleo e por uma corrupção desenfreada, revelada pela Operação Lava Jato, o Governo do Estado não conseguiu manter os serviços mais básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, desmantelou o sistema de segurança pública e atrasou os salários dos servidores. Apesar do cenário de extrema gravidade, os deputados estaduais parecem ter outras prioridades. Entre as propostas analisadas pelos parlamentares fluminenses estão ações como a obrigatoriedade de habilitação para pilotar patinetes, a presença de nutricionista em loja de suplementos, de um professor de educação física em academias de condomínios, além de gôndolas separadas para a venda de bebidas nos mercados.
Além da flagrante bizarrice desse tipo de proposta, há algo muito pior: a interferência na atividade econômica causa prejuízos, tira o estímulo dos empreendedores e reforça a insegurança jurídica no Brasil. “Estes projetos são absurdos, e é difícil tentar entender a motivação disso. Uma possibilidade é a ignorância econômica, na ânsia de caçar votos para setores específicos. Além disso, esse tipo de dificuldade criada pelas leis pode servir para aumentar o tamanho do Estado, uma vez que a execução destes projetos demanda a criação de um aparato fiscalizatório. Com isso, o custo para se investir fica mais alto e se tira a liberdade de empreender, dificultando a vida do indivíduo”, considerou o doutor em economia, Marcelo Mello, em entrevista ao Instituto Millenium.
O pós-doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alexandre Pagliarini, também considera absurda esse tipo de lei. “É impossível não classificar isso de jocoso, ridículo e até humilhante para o Brasil e, no caso específico, para o Rio de Janeiro. Se você pegar o conjunto da obra, quanto mais legislador é o Estado, mais ele se imiscui na vida privada das pessoas e das empresas. O ideal seria que o Estado se metesse o mínimo possível, a partir de uma visão liberal. Agora, no caso do Rio de Janeiro, você percebe que ele está dificultando a vida dos empreendedores. É algo impensável, porque isso acaba diminuindo o índice de empregabilidade, em vez de aumentar”, disse.
Para Marcelo Mello, esse tipo de lei só traz desestímulo para novos investimentos. “Se você tem um condomínio residencial, anuncia que há uma sala de ginástica e aparece uma lei obrigando a presença de um profissional. O que o condomínio vai fazer? Provavelmente, vai fechar a sala, porque encarece o condomínio. Esse tipo de lei, de apelo populista, ajuda a destruir de forma invisível empregos. Quem cria emprego é a livre iniciativa, o setor privado. O governo não cria emprego por lei”, disse.
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Este tipo de legislação existe em todas as esferas, mas um dado mostra a gravidade do exemplo do Rio de Janeiro: enquanto os deputados estaduais perdem tempo com estes projetos, a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), condição determinante para o Estado ter entrado no Regime de Recuperação Fiscal do governo federal, não saiu do papel.
Leis podem ser questionadas, mas caminho é difícil
De acordo com Pagliarini, é possível arguir a constitucionalidade deste tipo de lei, com relação ao conteúdo dos projetos, que têm caráter inibidor. “No entanto, isso é difícil, porque a própria Constituição não é bem resolvida no sentido de o Brasil ser um Estado mais social ou mais liberal. Isso tudo certamente levaria o Supremo Tribunal Federal a não tomar posição, ou a tomar uma posição a favor. Não existe inconstitucionalidade evidente”, disse, citando o exemplo do kit de primeiros-socorros para os automóveis, medida polêmica que vigorou no final dos anos 1990.
Papel da sociedade é fundamental
Na opinião do economista Marcelo Mello, o cidadão tem um grande poder de fiscalização e mobilização para evitar que este tipo de projeto prospere. “Numa democracia, todas as partes devem funcionar. É um sistema que não concentra poder, em tese. O cidadão é parte fundamental deste processo, e precisa servir como um contrapeso. O povo tem força, e isso já foi demonstrado nos protestos apolíticos de junho de 2013, que geraram impacto, agora tivemos renovação de poder no Executivo e no Legislativo, e a gente precisa ficar em cima, fiscalizar e acompanhar”, disse.