O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), que mede a percepção dos brasileiros quanto à economia, caiu para o menor nível desde 2009. Segundo Ronald Otto Hillbrecht, Ph.D em economia pela Universidade de Illinois, nos EUA, e especialista do Instituto Millenium, o consumo é uma peça fundamental para o funcionamento da engrenagem econômica. Ele explica que a desconfiança do consumidor produz efeitos como aumento da inflação e da taxa de desemprego.
Além da queda do ICC, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) discute a redução dos investimentos, o recuo do crescimento e a crise energética. Hillbrecht aponta as reformas institucionais como um caminho para a solução dos problemas econômicos. “As chances de o país voltar a crescer mais aceleradamente dependem de possíveis reformas a serem implantadas no início do próximo governo, quando o clima político estará mais favorável”, defende. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: O Índice de Confiança do Consumidor caiu para o menor nível desde 2009, atingindo 106,3 pontos em abril. Como a economia brasileira se apoia no consumo, de que maneira essa desconfiança prejudica a recuperação do país?
Ronald Hillbrecht: O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) é dividido em dois indicadores: o Índice de Situação Atual (ISA) e o Índice de Expectativa (IE). Na medição de abril, o ISA teve uma queda de 1,9% ao passar de 113,8 para 111,6 pontos, enquanto o IE caiu menos, — 0,4% — de 104,0 para 103,6 pontos.
No caso, a redução do ICC reflete uma deterioração da percepção da situação atual (ISA) e de perspectivas futuras (IE). Dessa forma, uma deterioração da confiança do consumidor leva a uma redução do consumo em função do aumento de incerteza das condições econômicas futuras, que afeta a renda real esperada, como a maior inflação futura ou aumento do desemprego. Como o consumo das famílias representa uma grande parcela do dispêndio agregado do país, fatores que afetam o consumo acabam por ter forte impacto sobre seu desempenho econômico de curto prazo.
É importante mencionar que o ICC é mensurado em uma escala de 200 pontos e quanto mais próximo de 200 maior é a confiança do consumidor. Adicionalmente, interpreta-se que a metade da escala, cem pontos, divide as expectativas entre pessimistas (abaixo de cem) e otimistas (acima de cem).
Imil: O Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) também sofreu recuos. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o ICEI recuou para 49,2 pontos em abril, o menor nível em cinco anos. Quais as consequências para o país dessa queda de confiança por parte do empresariado?
Hillbrecht: Da mesma forma que uma deterioração da confiança do consumidor tem impacto negativo sobre consumo, uma deterioração da confiança de empresários tem impacto negativo sobre o investimento. Entretanto, uma queda do investimento não afeta apenas o desempenho de curto prazo de uma economia, ele afeta também seu desempenho de longo prazo e a sua taxa de crescimento sustentável. Em outras palavras, quanto menor for a taxa de investimento de uma economia, menor será seu PIB potencial e menor será o crescimento econômico ao longo do tempo.
Imil: O estudo “Perspectivas econômicas das Américas, desafios crescentes”, do Fundo Monetário Internacional, divulgado no fim de abril, afirma que o Brasil deve encerrar 2014 com taxa de crescimento menor do que a média mundial da América Latina e dos países emergentes. De acordo com o estudo, a expansão do Produto Interno Bruto será de menos de 2%, contra 2,5% na América Latina, 3,5% na média mundial e 4,9% nos países emergentes. Que tipo de investimentos o Brasil precisa realizar para crescer de forma mais significativa?
Hillbrecht: Já faz algumas décadas que o crescimento do PIB per capita brasileiro é baixo, mesmo em relação à América Latina, que tem desempenho medíocre quando comparado com a média mundial e com países emergentes, em particular a Ásia. Na América Latina, desde o início do século XXI, a taxa de crescimento da renda per capita do Brasil só consegue superar as da Argentina e da Venezuela, que não são exemplos de virtude na condução de políticas econômicas. Essa falência na geração de prosperidade no país e na América Latina de forma geral está associada à falta de um ambiente institucional adequado, que estimule o fortalecimento de mercados competitivos, a integração da nossa economia à cadeia produtiva internacional, o empreendedorismo e ganhos de produtividade. Assim posto, uma ampla reforma institucional se faz necessária para remover os freios à criação de riqueza e assim estimular o nível geral de investimentos no país.
Imil: As incertezas no setor energético contribuem com esse quadro de perspectivas negativas?
Hillbrecht: Com toda certeza. Nos últimos anos o governo tem tratado o setor de energia com base no improviso, o que aumenta o risco de investimento no setor e o torna cada vez mais dependente de recursos do próprio governo. Não bastasse isso, a prolongada estiagem no sudeste do país aumenta ainda mais o risco de racionamento de energia. Podemos ter uma ideia de um possível impacto de um racionamento de energia elétrica sobre a atividade econômica olhando para o que aconteceu em 2001, quando houve no país um racionamento. Naquele ano, o mercado brasileiro de ações caiu 70% e o crescimento do PIB desacelerou para 1,3%, ante os 4,3% de 2000. Adicionalmente, um racionamento de energia elétrica em 2014 pode provocar um sério abalo sobre as perspectivas de reeleição da atual presidente.
Imil: Alguns setores da indústria já consideram 2014 um ano perdido, devido ao crescimento fraco, com previsão de avanço cada vez menor, alta de juros, calendário de Copa, eleições… Na sua opinião, 2014 é um ano perdido? Ainda dá tempo de fazer alguma coisa que possa virar o jogo e melhorar a situação econômica do país ainda este ano?
Hillbrecht: Como o ano ainda está começando, há tempo sim. Entretanto, o maior problema do país é promover reformas institucionais que criem mais prosperidade para o país ao longo do tempo. Mas se isso já é politicamente difícil de ser feito em tempos normais, mais difícil ainda será em ano eleitoral. As chances de o país voltar a crescer mais aceleradamente dependem de possíveis reformas a serem implantadas no início do próximo governo, quando o clima político estará mais favorável.
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