Em 2003, ao receber da Ordem dos Economistas o prêmio de Economista do Ano, Pérsio Arida observou: “Nossa economia já teve uma característica singular – a indexação legal e generalizada de contratos -, e para ela encontramos uma solução igualmente original – a Unidade Real de Valor (URV) e a reforma monetária. Temos, agora, uma outra característica singular a enfrentar. A singularidade do nosso desafio no passado esteve no combate à inflação crônica; agora é a busca de alternativas que possam reduzir a taxa estrutural de juros”.
De lá para cá, o mundo mudou muito. Tivemos o período de forte crescimento global, que beneficiou amplamente o Brasil, e depois o colapso financeiro de 2008-2009, seguido da crise das dívidas públicas na zona do euro. Teorias e práticas de política econômica sofreram forte impacto no mundo e aqui, entre nós.
A realidade econômica também mudou muito. Por exemplo: em vez de crises externas por falta de dólares, os países emergentes exportadores – Brasil incluído – lidam com o problema inverso, o excesso de dólares e moedas locais valorizadas.
Mas continuamos com a taxa estrutural de juros muito alta e muito maior do que a de países parecidos. Ou seja, o desafio sugerido por Pérsio Arida continua aí.
É verdade que a situação melhorou um pouco. Em 2003, a taxa real de juros estava na casa dos 8% ao ano. De uns tempos para cá, roda entre 5% e 6%, e parece empacada aí. Além disso, as taxas caíram no mundo todo, estando hoje entre zero e 2%, de maneira que a posição comparativa do Brasil não se alterou.
De outro lado, nos últimos dois anos, a inflação brasileira mais alta, em torno dos 6% anuais, tem feito parte do trabalho de derrubar os juros reais. E não é o que queremos.
Tudo considerado, ficamos com inflação e juros mais altos, um desafio até mais complicado.
Com inflação alta por vários meses seguidos, reaparece o problema da indexação (a última medida legal de restrição à indexação é de 1995!). Acrescentem ao quadro o real muito valorizado e se percebe o tamanho da questão.
Em 2003, Pérsio Arida apelava aos colegas. “No momento, cabe a nós, economistas, propor à sociedade, através de uma reflexão crítica sobre nossa singularidade, um conjunto de políticas que consiga reduzir a taxa estrutural de juros”.
Houve muitos estudos de lá para cá. E há, no momento, muita gente quebrando a cabeça de novo, tentando entender como lidar com o pós-crise. Continuariam os juros sendo o principal desafio brasileiro?
Parece que sim. Pela comparação: moeda valorizada e inflação mais alta é uma combinação comum em vários países emergentes, incluindo os latino-americanos. Mas os juros brasileiros são imbatíveis, assim como a nossa carga tributária (e parece que são pontos correlacionados).
Estariam no centro da agenda nacional?
Para retomar a comparação de Arida, falta, atualmente, algo que havia em 1993, no lançamento da URV/reforma monetária: a disposição política de fazer uma mudança estrutural. Os talentosos economistas da época não teriam ido longe sem a mobilização e a liderança de Fernando Henrique Cardoso.
De sua parte, Fernando Henrique trazia uma visão mais ampla de modernizar o País, o que foi feito em grande escala.
Lula não se empenhou em nenhuma mudança estrutural. No início do primeiro mandato, na gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, ainda foram feitas algumas reformas microeconômicas. Depois, quando a economia entrou no embalo do crescimento global, Lula surfou a onda e não quis saber de mais nada complicado ou politicamente difícil, como uma reforma tributária. Aproveitou a boa arrecadação para aumentar gastos, boa parte de eficácia duvidosa, e foi buscar votos.
E Dilma Rousseff? Começou no quebra-galho, administrando heranças difíceis, especialmente a inflação. Mas também teve de tentar deter a queda do dólar e segurar o gasto público. E tirar o atraso de obras da Copa do Mundo de 2014.
Como faz isso? Numa mistura de instrumentos ortodoxos – regime de metas, Banco Central, superávit primário – e antigos, como restrições ao crédito e impostos sobre a entrada de capitais.
Mas não se vislumbra uma doutrina, um plano de mudanças estruturais. A presidente diz que será rigorosa contra a inflação, mas que não aceita derrubar o crescimento econômico. Assim, na teoria, fica bem. Mas quanto de crescimento se exige e quanto de inflação se tolera para isso?
E, sobretudo, não se vê nada em relação ao desafio dos juros elevados. A presidente já disse, até mesmo na campanha eleitoral, que tinha o objetivo de reduzi-los. Mas não disse qual caminho pretende seguir para isso.
Parece improvisado. Um dia é o dólar; no outro, o crediário; depois, a inflação.
De uns dias para cá, depois do anúncio da privatização dos aeroportos, membros do governo têm vazado algumas informações sobre planos de combate à indexação, simplificações tributárias e outras modernizações.
Mas, de novo, falta o Plano Real dos juros – uma concepção teórica, um mapa do caminho prático, a liderança política e a disposição de aplicá-lo.
A oposição nem passa perto disso.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/05/2011
Sobre “De uns tempos para cá, roda entre 5% e 6%, e parece empacada aí.”
A origem deste empacamento tem origem na concorrente caderneta de poupança que tem um rendimento mínimo de 0,5% ao mês garantido por lei. Alem de ter a garantia do Banco Central, a aplicação ganha vantagem sobre os outros investimentos financeiros em meio à uma possivel queda dos juros reais. Enquanto a caderneta de poupança continue a pagar juros constitucionais mais TR , nao ha como lançar o plano Real dos juros no…