Estudioso do ensino superior e da interação com o mercado de trabalho, o físico e professor Roberto Lobo defende que o Brasil ainda precisa de estímulos para os jovens verem a formação profissional como uma excelente oportunidade para o mercado de trabalho. Lobo, que é ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e assina um blog no portal de “O Estado de São Paulo”, afirma que há vagas no setor que não são preenchidas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Estadão: A estratégia do PNE em relação a aumento no número de matrículas, com qualidade, é difícil de ser alcançada?
Roberto Lobo: O setor privado tem se concentrado mais na formação profissional subsequente, isto é, a formação para trabalhadores já no mercado, que possuem ensino médio. Há uma grande variedade nesse segmento, sendo os melhores os que vêm do sistema S, com reconhecimento internacional, mas há também muitos cursos sem a qualidade desejada. Preocupam, em especial, alguns cursos à distância. Já a educação profissional concomitante está centrada predominantemente em instituições públicas. É um ensino mais caro do que o ensino médio tradicional, chegando a custar cerca de US$ 7 mil anuais por estudante nos países onde a educação profissional é mais valorizada, que por sinal são os países com maior eficiência na produção de inovações. O ensino público profissionalizante, por ter corretamente contratado bons professores e ser exigente, tem sido procurado por estudantes que não pretendem seguir carreira técnica, mas querem ingressar nas universidades públicas pelo ENEM. Eles ocupam vagas de quem realmente deseja seguir carreiras técnicas, mas que não estão tão bem preparados, por terem estudado, geralmente, em escolas públicas.
Estadão: Muito se falou sobre déficit de engenheiros, mas o número de matrículas de engenharia já é o segundo maior do País, só atrás de administração. Há um novo panorama?
Lobo: O crescimento da engenharia se deveu, provavelmente, ao período de crescimento do PIB, quando se dizia que os engenheiros seriam muito procurados e que havia possibilidade de déficit de engenheiros para atender aos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Essa perspectiva não se realizou. É preciso observar o que acontecerá nos próximos anos e também quantos desses estudantes efetivamente se formarão, uma vez que o número cresceu muito no setor privado, que tem altas taxas de evasão na engenharia.
Estadão: Há déficit de professores nas escolas técnicas. É um reflexo disso?
Lobo: Tanto de professores quanto de laboratórios. Seria fundamental que houvesse uma ligação maior com as empresas para que o estudante saísse com condições de ingressar rapidamente no mercado de trabalho. Tanto na Europa quanto nos EUA essa ligação vem sendo permanentemente ampliada.
Estadão: Os engenheiros têm tido uma formação adequada às necessidades das empresas?
Lobo: Um estudo feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que, em geral, há um déficit na qualidade dos engenheiros formados no Brasil. Além disso, nota-se que, as principais habilidades necessárias aos engenheiros recém-formados são justamente as consideradas essenciais aos profissionais que contribuem com a inovação. Atributos como habilidade de trabalhar em grupo, aptidão para desenvolver soluções originais e criativas, sólido conhecimento nas áreas básica, domínio em inglês, entre outras. Uma maior intersecção entre as habilidades pouco desenvolvidas nos engenheiros brasileiros e os atributos que são considerados como relevantes contribuirá com a geração de conhecimento, inovação e consequentemente ganho de competitividade nas empresas.
Estadão: Sempre recorremos a exemplos internacionais quando falamos de ensino técnico. Eles são de fato um caminho a seguir?
Lobo: Acho que não temos peculiaridades. Temos um país de pouca inovação, que se baseia na produção de commodities, com baixa competitividade em alta tecnologia. Mesmo assim, a área de formação técnica está crescendo e a demanda prevista, mesmo com a desaceleração do crescimento, vai exigir a expansão do ensino profissionalizante.
Estadão: O PNE fala também em expansão dos cursos superiores de tecnologia, mas não descreve metas. Essa modalidade deveria ter maior atenção?
Lobo: Essa modalidade tem tido um crescente reconhecimento e, segundo o Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), há cerca de um tecnólogo empregado em nossas empresas para cada dois engenheiros. Cerca de 7% dos brasileiros entre 15 e 19 anos estavam em 2011 em cursos de educação profissional. Na Alemanha, esse índice é de 53%. Nossos jovens precisam ver a formação profissional como uma excelente oportunidade para o mercado de trabalho. Há muitas vagas não preenchidas e a evasão é alta. Seria necessário criar mais estímulos para essa formação.
Estadão: O jovem tem preferido a engenharia a um curso tecnológico. Há preconceito com essa modalidade? Os salários são menores?
Lobo: O salário base é 80% do dos engenheiros, o que não é um desastre. O pouco reconhecimento social desses cursos é um problema. Os cursos superiores de tecnologia têm o propósito de oferecer uma formação aos estudantes que desejem aperfeiçoar-se profissionalmente, buscando uma formação prática que permita sua inserção rápida no mercado de trabalho, tanto em função da duração do curso, quanto do tipo de formação. Esses estudantes normalmente têm uma vocação para estudos mais práticos do que teóricos. No Brasil, o saber teórico é considerado o verdadeiro saber e o trabalho intelectual é considerado superior ao trabalho mais prático e operacional. Isso não ocorre na América do Norte ou nos países do norte da Europa, onde todo trabalho é igualmente valorizado.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/08/2014
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