Começou o baile do pré-sal. A Petrobras pretende iniciar, nas próximas semanas, a maior captação de recursos do mundo, a fim de explorar o petróleo das profundezas. Como em qualquer evento de celebridades, o povaréu não se importa de ficar plantado horas e horas na porta só para ver passar os bacanas e as mulheres maravilhosas. É assim também no baile do pré-sal, já que a maior parte dos brasileiros com poder de poupança nem cogita participar dessa oferta de ações.
É como se o mundo do dinheiro ou da fama não nos pertencesse, pobres mortais, cidadãos anônimos. Mas não precisava ser desse jeito. Não no caso da capitalização da Petrobras, afinal uma empresa do Brasil e, em teoria, dos brasileiros. Desde que o mundo é mundo, enquanto os poderosos festejam, o povo bate palmas. A própria história da humanidade é o relato da lenta e penosa superação desse modo de relação subordinativa, na direção de um tratamento mais igualitário das pessoas e da distribuição das oportunidades entre elas. Convenhamos: não tem sido uma luta fácil. Muita gente já matou e morreu pela causa da igualdade. E a luta continua, com os campos de batalha migrando para o terreno da economia e do mercado de capitais. Não parece, mas é no mercado de ativos – ações, imóveis, patentes, informação – que se abrem (e fecham) as grandes janelas de equalização das oportunidades de enriquecimento entre indivíduos numa nação, por onde fortunas se formam e se desfazem, nas mãos de milhões ou de uma penca de privilegiados. Pelo prisma de alcance coletivo da riqueza, o pré-sal não tem sido sequer percebido pela sociedade brasileira.
Para capitalizar a Petrobras, a União federal, representando, em tese, todos os brasileiros, colocará dinheiro na empresa, por meio de uma emissão de títulos de dívida, calculada em torno de R$ 80 bilhões. Com esses papéis, a União comprará novas ações da Petrobras. E, com o retorno dos mesmos títulos para o governo federal, a Petrobras comprará 5 bilhões de barris que ainda estão no pré-sal (a União é a dona do petróleo no subsolo). O preço de cada barril futuro nessa transação foi arbitrado pelo presidente Lula em US$ 8,51. No fim, a Petrobras ficará com direito a 5 bilhões de barris a mais em sua reserva, enquanto a União deterá mais ações da empresa, aumentando seu poder e sua participação no capital total. Já a dívida emitida para comprar as ações voltará para o Tesouro, saindo de circulação. É uma operação inteligente de troca-troca de ativos. Só falta alguém nessa transação: você.
O fato de a União trocar uma reserva de petróleo no fundo do oceano por ações da Petrobras não significa que cada brasileiro terá lucrado algo. Apesar de a riqueza do Estado brasileiro ser de todos nós, sabemos bem a diferença entre o que é nosso, na pessoa física, e o que pertence, na prática, ao governo.
A transação do pré-sal deixará escondido nas entrelinhas que a União federal é uma devedora de todos os contribuintes dos fundos sociais do país, principalmente o INSS (que não tem lastro nem fundos próprios) e o FGTS (que acumula fundos sob a forma de depósitos e cotas). Para ser justo e equitativo, o legislador do pré-sal deveria ter previsto que os brasileiros pudessem participar da oferta da Petrobras com seus créditos acumulados e retidos pelo INSS e FGTS. Um fundo previdenciário do regime do INSS deveria ser constituído e ações da Petrobras adquiridas em nome de cada credor do INSS e FGTS, permitindo que cada participante ativo da Previdência Social passasse a ter uma cota-parte da nova riqueza da exploração do petróleo.
Dito assim, de modo tão simples, até parece delírio. Deveria constituir bandeira de todos. Não foi de outro modo que conquistamos o direito de adquirir ações da mesma Petrobras, no ano 2000, pela aplicação do FGTS individual, um movimento que lançamos nos anos 90 e que acabou dando certo. Quem aplicou aquele FGTS na petroleira está sorrindo até hoje e agradecendo a quem sugeriu a idéia.
Fonte: Revista “Época” – 13/09/10
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