Nos últimos dias baixou uma nuvem pesada sobre a situação fiscal do país, a ponto de pôr em dúvida a solvência do setor público. A taxa do risco Brasil subiu, descolando nosso caso da situação de outros emergentes, e fala-se até na perda da classificação de “grau de investimento”, o que teria forte impacto desfavorável.
O secretário do Tesouro reagiu dizendo que há “um ataque especulativo” contra as contas públicas do Brasil. Na verdade, há um problema estrutural complicado, antigo, que foge ao escopo deste artigo, cuja discussão é altamente relevante, mas evitada pelos governos como forma de contornar o desgaste de atacá-lo de frente (sobre isso, sugiro a leitura de texto em minha recém-inaugurada página na internet). Já a nuvem pesada tem ingredientes mais recentes.
Sobre a gestão fiscal de curto prazo, pode haver um certo exagero dos mercados, como às vezes acontece. Falta perceber que, passada a crise, o governo resolveu conter o crescimento do segundo item de maior peso na pauta de gastos: o de pessoal. Segundo ouvi de Nelson Barbosa, à época na Fazenda, essa seria a estratégia para permitir que as transferências de previdência e assistência continuassem crescendo no mesmo ritmo e os investimentos se recuperassem mais. O que, de fato, mais ou menos, aconteceu.
As transferências de previdência e assistência estão crescendo agora à taxa anual real de 6,7%, em contraste com a taxa média absurda de 9,1%, verificada entre 2004 e 2008. Os investimentos têm mostrado alguma recuperação e o gasto de pessoal, que crescia à média de 6,1% na fase pré-crise, agora cresce a apenas 1,5% ao ano. Pode não ser sustentável, mas é o item que, efetivamente, deveria ser prioritário em qualquer pauta de ajuste.
Assim, os resultados fiscais primários têm se deteriorado não tanto pelo desempenho da despesa, mas pela evolução pífia da receita de natureza tributária. Entre 2004 e 2008, a receita crescia à mesma taxa da despesa, próxima de 9% ao ano. Ela chegou a evoluir a um ritmo 14% acima do IPCA no final de 2011, a partir de quando passou a cair celeremente em face das desonerações tributárias e pelo menor crescimento da economia que vigora atualmente. Em pouco mais de um ano, a taxa acumulada nos últimos 12 meses caiu a zero e hoje está em 2% ao ano. Os superávits de fato caíram, mas retroceder nas desonerações parece bem menos complicado do que adotar uma medida efetiva do lado do gasto, como reduzir o reajuste do salário mínimo, assunto que é tabu para políticos obcecados em se manter no poder.
Não entendo por que isso não foi explicado aos agentes econômicos. Afinal, são eles que financiam a dívida pública e pagam os impostos. A disposição para explicar melhor as coisas teria evitado a piora do risco Brasil. Em vez disso, todas as críticas são simplesmente negadas, inclusive a malfadada “contabilidade criativa”, que, para as autoridades, simplesmente nunca existiu.
No curto espaço que me resta, destaco dois itens de uma longa lista de explicações que o governo deveria também dar à sociedade. Primeiro, vem a questão do crescimento econômico, que caiu e não se sabe como o governo pretende recuperá-lo. Sem isso, o emprego despenca junto com a arrecadação. É só questão de tempo.
Depois vêm a questão do controle de preços e o viés antiprivatização, farinhas do mesmo saco. A inflação está estourando o limite superior do intervalo de metas – 6,5% ao ano – e os preços administrados rodam a 1% ao mês. Parte da deterioração fiscal decorre da assunção do ônus dessas políticas pelo orçamento público, cujo equilíbrio é fortemente contestado. E quando tudo tiver de voltar ao normal? O exemplo dramático dos países queridinhos da fase Lula-Dilma, Venezuela e Argentina, está aí, na nossa porta. Problemas existem e são complicados, mas o Brasil tem tudo para superá-los e encontrar um rumo compatível com os interesses maiores de nossa sociedade. É só concentrar esforços nessa direção.
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