A cada dia, os jornais e as redes sociais trazem novas notícias sobre falas histriônicas de autoridades e mesmo de opositores atrapalhados. Parte delas diz respeito à agenda de costumes e à forma mais eficaz de acabar com adversários que detêm um projeto político distinto do que se crê correto. Acusações rotulam o “outro” de posições políticas que dispensavam definições no século passado, mas que não têm como se aplicar nos dias de hoje.
Com isso, um tempo precioso é perdido discutindo se universidades plantam ou não maconha ou se os professores de educação básica doutrinam ou não –como se em um passado dourado as escolas não o fizessem, seja a partir de uma perspectiva religiosa, seja a partir de visões de mundo distintas das que se julgam importantes hoje. E os reais problemas da realidade a demandar soluções –afora, naturalmente, os econômicos– ficam esquecidos, e poucos acompanham a formulação de políticas públicas específicas, de saúde, educação ou energia, entre outras.
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E não apenas o desenho, mas a implementação de políticas, com todos os seus desafios de cumprimento de prazos, adequação das entregas ao estabelecido nos planos, avaliação de processos e de impactos, tudo isso tende a desaparecer da esfera pública de discussões. Há certa intencionalidade nas fanfarronices? –chego a me perguntar. Talvez não, mas debates superficiais podem ser úteis para mascarar a inação em áreas importantes para a construção do futuro do país, já que a cada crítica dos que acompanham o dia a dia dos projetos de órgãos públicos a resposta tende a ser uma assertiva sobre a ineficácia de governos anteriores, algumas vezes verdadeiras, outras não, ou a a geração de mais um factoide, que parecem construídos para desviar a atenção daquilo que realmente interessa.
Mas parece existir hoje um cardápio de evidências científicas a serem escolhidas de acordo com o alinhamento político, e, assim, para algumas coisas, aceitam-se as verdades da ciência e fatos históricos documentados, para outras não.
Ora, em políticas públicas, também temos evidências do que foi testado e funcionou e o que, em diferentes contextos, deu errado. Assim, ter seriedade na busca de uma boa política de mobilidade urbana, de soluções para a segurança no trânsito é fundamental, e temos soluções testadas antes de ter virado política pública. Abolir leis e práticas para agradar grupos restritos de eleitores, sem base em evidências do que funciona ou, por outro lado, gera consequências nefastas, não nos ajuda.
Temos um país a construir, não podemos perder tempo com jogos de cena ou fanfarronices!
Fonte: “Folha de São Paulo”, 29/11/2019