A tributação, em princípio, deve vincular-se, com a maior fidelidade possível, aos fatos econômicos sobre os quais incide. Essa regra, todavia, gera muitas vezes complexidade, da qual resultam ônus para o contribuinte no cumprimento das obrigações fiscais (custos de conformidade) e dificuldades para a administração tributária, no exercício das atividades de fiscalização (custos administrativos), sem falar nos problemas decorrentes de insegurança jurídica.
Não existem estudos confiáveis que avaliem custos de conformidade no país, sendo razoável, entretanto, admitir que sejam expressivos, tendo em conta que pesquisas do Banco Mundial mostram que, em termos de facilidade para pagamento de tributos, o Brasil alcançou uma modesta 156ª posição num universo de 185 países. Nos EUA, os custos de conformidade alcançam a significativa proporção de 18% dos tributos pagos pelas empresas.
O contribuinte, invariavelmente, prefere a simplicidade. No Brasil, 60% das pessoas físicas declaram pelo modelo simplificado e 93%das pessoas jurídicas optam pelo Simples ou pelo Lucro Presumido, evidenciando clara preferência pelos modelos simplificados de tributação da renda.
A complexidade tributária, às vezes, se revela inevitável, como na tributação das instituições financeiras ou das corporações transnacionais. Sempre que possível, contudo, deve ser evitada. As pequenas e microempresas, por exemplo, não podem ser tratadas com a complexidade dispensada à grande empresa, como, aliás, já prescreve a própria Constituição. A despeito disso, a política tributária tem um especial fascínio pela complexidade.
Foram necessários onze anos para que se procedesse à elevação dos limites de opção pelo Lucro Presumido -regime que possibilitou, na segunda metade dos anos 1990, uma relevante formalização fiscal. O Simples, instituído em 1996, representou sem dúvidas a mais ousada medida visando a tratar adequadamente, no âmbito tributário, as pequenas e microempresas.
Como ocorre com as iniciativas pioneiras, encerrava algumas limitações na origem: era restrito à tributação federal, ainda que tenha inspirado modelos análogos nos Estados; vedava a inclusão de inúmeros setores, como o de serviços; não previa um modelo de transição para outros regimes, o que desestimulava o crescimento das empresas, produzindo uma variação tributária do “Complexo de Peter Pan”.
A Emenda Constitucional n.° 42, de 2003, previu a criação do Simples Nacional, o que se tornou realidade com a Lei Complementar n.° 123, de 2006. A amplitude nacional foi um inequívoco ganho, mas, em contrapartida, o regime ficou paradoxalmente muito complexo, a ponto de a própria lei complementar fazer alusão a um sistema operacional para calcular o imposto devido. Quanto às restrições setoriais para adesão ao Simples, pouco se acrescentou e nada se disse quanto à transição.
Há um forte movimento, no Congresso Nacional, para rever a legislação do Simples, notadamente no que concerne à extinção quase completa das vedações à opção pelo regime, supressão das tabelas de alíquotas que complicam a apuração do tributo, restrição à utilização da substituição tributária e eliminação dos entraves burocráticos. Em direção contrária ao movimento, movem-se todos aqueles que abominam a simplificação, porque, afinal, sistemas tributários complexos constituem uma instância de poder.
As alegações contrárias são as costumeiras: dificuldades para a fiscalização e perda de arrecadação. Os reconhecidos avanços tecnológicos da administração tributária produziram uma máquina para enfrentar a evasão fiscal.
As estimativas de renúncia fiscal partem do falso pressuposto do montante que seria arrecadado caso essas pequenas e microempresas fossem tributadas no regime comum. Nada dizem sobre se elas estariam em atividade ou se recolheriam tributos, caso não existisse o Simples. Nessa refrega, cabe bem a observação de Steve Jobs: “o simples pode ser mais difícil que o complexo”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 01/05/2014
No Comment! Be the first one.