A decisão do Congresso de fatiar a reforma tributária é contraproducente e pode abortar a possibilidade de aprovação, ainda este ano, de uma proposta ampla com efeitos duradouros para a melhoria do ambiente de negócios e do crescimento do País, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Eles veem risco de a reforma se resumir a uma mera unificação do PIS/Cofins, levando a um aumento da carga tributária para os contribuintes brasileiros.
O fatiamento foi acertado esta semana pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), três semanas após a apresentação do parecer do relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – que defendeu uma reforma ampla, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), na comissão mista criada justamente para buscar uma convergência de propostas. A comissão mista foi extinta no mesmo dia da apresentação do relatório.
A Reforma Tributária fatiada vai resolver?
Pelo acordo fechado esta semana, a Câmara vai votar a projeto de lei do ministro da Economia, Paulo Guedes, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), reunindo o PIS/Cofins, e prevê ainda mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e no Imposto de Renda tanto das empresas como das pessoas físicas. Já o Senado ficou com o projeto do novo Refis e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de uma reforma abarcando também os tributos dos Estados (ICMS) e dos municípios (ISS).
Os especialistas criticam principalmente essa divisão da proposta dos tributos que incidem sobre o consumo. “Esse é um problema. O ideal é legislar tudo em bloco e implementar em partes”, diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rodrigo Orair. Segundo ele, como o quórum para aprovação do CBS, por projeto de lei, é menor do que o exigido para uma PEC, há o risco de a reforma ficar apenas na primeira fase. “É um tiro no pé.”
Um dos problemas apontados pelo pesquisador do Ipea é que, ao deixar explícito na nota fiscal o peso do tributo na compra dos produtos, o efeito poderá ser a impopularidade, tornando isso um obstáculo para a complementação da reforma. Outro problema é que a CBS pode gerar questionamentos jurídicos, porque avança numa área de tributação sobre valor agregado que é dos Estados e municípios.
O presidente da Câmara prometeu tocar a reforma a partir da próxima semana, já com a indicação de relatores. Ele reconheceu que o fatiamento tem gerado críticas. “Acertamos os procedimentos da reforma tributária para fazermos a reforma possível com três pilares básicos, sem aumentar a carga tributária e dar segurança jurídica”, escreveu ele no Twitter.
O advogado Luiz Bichara, do Bichara Advogados, compara o fatiamento a uma reforma de uma casa que ficou muito cara e acabou se transformando apenas numa troca do tecido do sofá da sala. Para ele, é inviável essa divisão do CBS do IBS tecnicamente. “Todo o desenho da simplificação da PEC pressupõe a existência de um IVA só, dificultando o acoplamento posterior”, afirma. “Não é uma torta que pode fatiar. O CBS não é uma reforma para mim”, diz, acrescentando que haverá um aumento inequívoco da carga tributária. Sobre o restante da propostas, é cético: “O Guedes fala muito, mas não apresenta as propostas”.
Já o tributarista Eduardo Fleury, da FCR Law, ressalta que o relatório de Aguinaldo Ribeiro aparou arestas com vários setores, como construção civil e agricultura, que terão de ser negociadas com a CBS. “Sem falar que a discussão do Imposto de Renda é muito ampla e não vejo como conseguir fazer as duas coisas.”
Rafael Cortez, cientista político da Tendência Consultorias, alerta que o fato de a CBS ser um projeto de lei pode ajudar na aprovação mais rápida, mas acabar resultando em menor impacto. Segundo ele, o fatiamento pode levar à percepção de que a CBS terá uma vida curta e gerar um choque de incertezas no futuro.
CPMF
Com o fatiamento, ganhou fôlego outra vez a discussão sobre a volta da CPMF, defendida por Guedes com o argumento de garantir a desoneração da folha de pagamentos. Para o presidente da Confederação Nacional de Serviços, Luigi Nese, o setor só aceita a CBS se vier junto com a desoneração da folha por meio de uma nova CPMF para financiamento. “É única proposta viável.”
Procurado, o ministério diz que o temor de aumento da carga tributária é injustificado. “A CBS está desenhada para prover a mesma arrecadação real obtida com PIS e Cofins. Haverá algum realinhamento de preços, com aumento de uns e redução de outros, mas com neutralidade no conjunto.” Diz ainda que o projeto de IR está em fase adiantada de elaboração, mas neste momento não há data fixada para envio ao Congresso.
Acordo entre os Poderes
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Arthur Lira (PP-AL), chefe da Câmara, defenderam nesta semana a aprovação mais rápida da reforma tributária.
Na segunda-feira, Pacheco disse que as mudanças devem sair neste ano. “Há uma comunhão de esforços entre as duas Casas”, disse. “Precisamos simplificar o sistema de arrecadação sem gerar aumento de carga aos contribuintes”, disse o senador.
Na terça-feira, para uma plateia de empresários, Lira falou em aprovar uma reforma “possível”. “O que nós temos de fazer é a reforma possível para o momento, que simplifique, que desburocratize, que não aumente a carga tributária, que dê segurança jurídica.”
Também na terça-feira, em um evento em São Paulo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a reforma tributária que o governo pretende fazer será simples e “difícil de alguém ficar contra”.
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Quem fica com o que
Câmara dos Deputados
– Lei que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS):
A CBS é um imposto que unifica o PIS e Cofins, tributos cobrados pelo governo federal e que incidem sobre o consumo. A alíquota prevista é de 12%.
Alteração do IPI e criação do Imposto Seletivo:
O governo antecipou que quer reduzir o IPI sobre produtos de linha branca, medida adotada em governos petistas para estimular o consumo. O ministro disse ainda que quer o “imposto sobre o pecado” para desestimular consumo de produtos prejudiciais à saúde.
– Alteração no Imposto de Renda Pessoa Física e Jurídica:
Estão em estudo propostas como corrigir a tabela do IR (aumentando o limite de isenção), limitar as deduções de saúde e educação, reduzir a alíquota mais alta (de 27,5% para 25%) e criar uma maior para os ricos. Para as empresas, a ideia é reduzir o imposto atual.
Senado
– Refis:
Programa de parcelamento de débitos tributários.
– Fusão:
PEC para unir PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual), ISS (municipal).
Fonte: “Estadão”, 27/05/2021
Foto: Dida Sampaio/ Estadão