A julgar pelas denúncias do fim de semana, envolvendo os ministérios das Cidades e da Agricultura, a Agência Nacional do Petróleo, a Fundação Nacional de Saúde, o Banco do Nordeste e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, a faxina iniciada pela presidente da República deverá estender-se à casa inteira, e não apenas a um dos seus cômodos.
As suspeitas de corrupção têm estruturas semelhantes. Envolvem funcionários venais, políticos e partidos fichas-sujas e empresários desonestos. Mudam os atores, mas a novela é a mesma. O loteamento partidário dos ministérios – negociados como fazendas com porteiras fechadas – e o elevado custo das eleições brasileiras formam o pano de fundo.
No escândalo de julho, a constatação é obvia: se o Ministério dos Transportes e o Departamento de Infraestrutura em Transportes (Dnit) fossem empresas privadas, já teriam falido. Mas, como são órgãos públicos, sustentam-se à custa dos impostos pagos pela sociedade. Assim, sobrevivem a tudo e a todos. Até mesmo à demissão de vinte servidores flagrados em situações que afrontavam os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Curiosamente, para memorizar esses preceitos do Artigo 37 da Constituição Federal, costuma-se recorrer à palavra “LIMPE”, que vem a calhar no caso atual. Afinal, a corrupção é uma das causas das mortes de 24 mil pessoas por ano nas rodovias brasileiras.
O Ministério dos Transportes está entre os mais cobiçados. Com mais de seis mil funcionários, orçamento anual de R$25 bilhões – sendo R$17 bilhões para investimentos – a Pasta coordena obras em todo o país. Outro atrativo é a proximidade com as empreiteiras, segmento que lidera – junto com o setor financeiro – o financiamento das campanhas eleitorais brasileiras. Coincidência ou não, os principais doadores do Partido da República (PR), que controla a Pasta, receberam, em 2010, quase R$1 bilhão dos órgãos vinculados ao Ministério, o Dnit e a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias (Valec).
As irregularidades são frequentes. A Polícia Federal conduz 79 inquéritos sobre obras do Dnit e da Valec, em 20 estados brasileiros. Paralelamente, na relação das obras consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas da União, oito pertencem ao órgão rodoviário e três à estatal que cuida das ferrovias. A roubalheira da moda são os aditivos aos preços iniciais, acima do limite legal de 25%. No conjunto das obras em andamento do Dnit, os “puxadinhos” chegam a R$2,6 bilhões. Dos contratos em curso, 14% foram aditivados acima do teto fixado na lei das licitações.
Na verdade, não é de hoje que se comenta sobre o superfaturamento de obras realizadas pelo órgão. Para mencionar apenas alguns casos emblemáticos, na década de 70 foi questionado o valor da construção de um dos cartões-postais do Rio de Janeiro, a Ponte Rio-Niterói. Na década de 90, faxina incompleta varreu a sujeira para debaixo do tapete. À época, foi descoberto que a ordem de pagamentos dos precatórios do então Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) dependia do valor das propinas. Como resposta, o governo mudou a sigla, de DNER para Dnit. Mal comparando, tiraram o sofá da estrada. No início do governo Lula, nova crise, desta vez envolvendo o então ministro – e atual prefeito de Uberaba – Anderson Adauto, acusado de criar aditivos fictícios para obras em rodovias.
Assim sendo, cabe a pergunta: o que fazer?
Além da punição dos corruptos, deve ser ampliada a transparência, pré-requisito para o controle social. Existem na Pasta vários sistemas informatizados cujo acesso não é disponibilizado para a sociedade. Entre eles, o Sistema de Informação e Apoio à Tomada de Decisão (Sindec), que permite o controle da quantidade e da situação de cada contrato, indicando os valores iniciais e os aditivos, entre outras informações relevantes. Além disso, o governo deve fornecer acesso irrestrito ao SICONV – Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse – para que seja possível a qualquer cidadão saber quais os beneficiários nos estados e municípios dos recursos transferidos pelo governo federal.
Pelo teor das denúncias recentes, é quase certo que outros órgãos padeçam do mesmo mal. Por outro lado, é pouco provável que existam condições políticas que viabilizem uma limpeza geral. O que a sociedade espera é que o governo leve até o fim a varredura que começou. Assim sendo, presidente Dilma, pé na estrada e mãos à obra.
Fonte: O Globo, 02/08/2011
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