Por João Manuel Pinho de Mello e Vinicius Carrasco*
Em interessante artigo para o Project Syndicate, “Why Public Investments?”, o prêmio Nobel Michael Spence aponta, no contexto de uma conjuntura mundial de baixo crescimento, o importante papel de governos na canalização de poupança para investimentos públicos indutores de aumento de produtividade. No Brasil, a despeito de todo voluntarismo do governo, a taxa de investimento como proporção do PIB se manteve muito baixa nos últimos anos e não houve sucesso em impulsionar nossa produtividade, que continua estagnada nos níveis de 2010. Como reconciliar essa constatação com o que propõe Spence? Qual seria a forma de atuação do governo que aumentaria investimentos e a produtividade no Brasil?
Investir bem requer, em primeiro lugar, a identificação de bons projetos (no jargão de economistas, projetos com Valor Presente Líquido, VPL, positivo). O sistema financeiro, incluindo os bancos e o mercado de capitais, cumpre esse papel na economia. Ao desempenhá- lo, aloca capital a esses projetos, fazendo com que recursos sejam destinados aos projetos de produtividade mais alta.
Para que os intermediários financeiros cumpram adequadamente esse papel, é necessário um ambiente de competição complementado por uma regulação que iniba tomada excessiva de risco e estimule a emergência de instrumentos que facilitem a divisão de risco.
No Brasil, a intermediação financeira parece ter ficado menos competitiva nos últimos anos. De fato, alguma leniência do governo com fusões e aquisições no setor fizeram com que a concentração bancária tenha aumentado. Além disso, há também o alto risco de politização dos empréstimos feitos por bancos públicos, o que eleva os riscos de perdas, distributivos e de má alocação de recursos.
Não há razão a priori para achar que os governos tenham mais capacidade que agentes privados para selecionar bons projetos. Portanto, o papel de bancos públicos e governos deve se restringir a duas atividades. Em primeiro lugar, financiar projetos cujos retornos sociais — o VPL Social — sejam maiores que retornos privados, o que ocorre quando o projeto gera externalidades positivas. Por exemplo, projetos de mobilidade urbana, saneamento e alguns em infraestrutura, que trazem enormes benefícios para produtividade de toda a economia.
Esse benefício para a coletividade não é, via de regra, considerado pelos agentes privados ao computar o VPL do projeto; e, como consequência, deixam de financiar projetos socialmente desejáveis. Mas é preciso ainda mais rigor na decisão, pois a discrepância entre retornos sociais e privados não é suficiente para prescrever a intervenção do governo: é fundamental ter em mente também que o financiamento de bancos públicos vem de impostos, que distorcem a alocação de recursos na economia e, portanto, impõe custos à sociedade. A intervenção deve ocorrer se os retornos sociais de um projeto forem maiores que os custos advindos da taxação.
Em segundo lugar, governos devem estimular o aprofundamento da intermediação financeira, seja diminuindo as fricções informacionais que abundam no mercado de crédito, seja provendo condições para que mercados de financiamento de longo-prazo vicejem. Por exemplo: fomentar um birô de crédito público, como SCR do Banco Central, que começou no começo da década de 2000.
Por aqui, os bancos públicos concederam empréstimos subsidiados (isto é, abaixo do custo real de financiamento do banco) a projetos cujos retornos sociais dificilmente eram maiores do que os privados. Qual a externalidade produzida pela existência de um grande campeão nacional? Na verdade, podemos imaginar um efeito negativo: aumento da concentração no seu mercado, com efeitos deletérios para o consumidor. O subsídio aumentou de maneira artificial o retorno, o que fez com que mais recursos que o socialmente desejável fossem alocados aos projetos ungidos. Não é claro que, se cobradas taxas de mercado, esses projetos seriam levados a cabo.
Combinou-se, portanto, duvidosa seleção de projetos, com concessão indevida de subsídios. As consequências para a produtividade agregada são óbvias. Além disso, a atuação excessiva do governo inibe o surgimento de formas alternativas privadas de financiamento de longo prazo, pois: agentes privados não concedem empréstimos a taxas menores que seu custo de capital.
Embora bastante importante, alocação de capital não é tudo. É também preciso garantir que os investidores obtenham retornos compatíveis com os riscos com os quais se deparam. Marcos regulatórios com regras claras reduzem risco dos projetos e, com isso, diminuem o retorno exigido pelos investidores.
Formas diretas e indiretas de expropriação de investimentos podem ter consequências agregadas não triviais. Um exemplo: no setor de energia, a relutância em remunerar geração, transmissão e distribuição de acordo com a percepção dos riscos — muitos deles gerados pela própria atuação do governo — afugentou investimentos. Se houver racionamento, e recomendação técnica para tal já existe, a culpa não será somente de São Pedro; a contribuição do governo também terá sido fundamental.
Pior, o perigo de racionamento aumentou o risco de todos os projetos da economia. Alternativamente, o aumento do risco regulatório em um setor gerou um risco não diversificável para toda a economia. O descaso com que o governo vem tratando a qualidade da regulação no Brasil está na raiz do apagão de investimento que o Brasil vive hoje, especialmente na infraestrutura.
O mesmo se aplica a concessões. É recomendável confiar na competição pelo direito de prover os serviços de infraestrutura como a forma de se “descobrir” a taxa de retorno ao qual os investimentos devam ser remunerados. Tentar limitar esses retornos a priori, ainda que com o nobre objetivo de se perseguir modicidade tarifária, é um tiro no pé. Se não for remunerado pelos riscos aos quais estará exposto, um concessionário se recusará a participar dos leilões de concessão, como ocorreu em inúmeros casos recentes nos quais não houve interessados. A atuação do governo impediu que projetos perfeitamente viáveis para investidores privados fossem levados a cabo, o que prejudicou a economia e os consumidores.
É difícil discordar de Michael Spence: governos podem desempenhar importantíssimo papel no estimulo ao investimento e à produtividade da economia. É fácil concordar que a atuação de nosso governo nos últimos anos foi um obstáculo ao invés de estímulo. É preciso fazer menos e melhor.
*Vinicius Carrasco é professor da PUC-Rio.
Fonte: Insper
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