A fé religiosa é uma bênção para os que creem porque lhes permite driblar o paradoxo trágico de nascer e viver para morrer no final. Acreditar em uma outra vida, melhor, em outra dimensão, anima e consola a consciência da precariedade, fugacidade e miséria da condição humana.
Nós não valemos nada, mesmo os mais poderosos, estamos todos por um fio, uma artéria, um caminhão, um vírus, uma doença, uma bala. Em segundos, quem estava já não está mais. Não há deus, santo ou entidade que resolva. Mas, apesar disso, nunca tantas pessoas foram mortas na história em nome de Jesus, de Alá, de Maomé, de Lutero e, quem sabe um dia, do bispo Macedo.
Fé não se discute, é assunto de foro íntimo, como a vida sexual e fisiológica e as neuroses. O problema não é a fé, felizes dos que têm, é tentar impô-la aos outros, querer salvar quem não quer ser salvo ou não acredita em salvação.
Leia mais de Nelson Motta
Urros, zurros e latidos
Militares e militantes
Quem julga quem?
Se cada um respeitasse as leis morais de sua religião, que são todas parecidas em valores básicos, honestidade, trabalho, solidariedade, respeito a velhos e crianças, não roubar, não matar e outras obviedades milenares… Os ateus estão dispensados. Mas quem respeita? Por medo do inferno ou pela absolvição no Juízo Final? Se todos os que creem respeitassem plenamente as normas que eles mesmos escolheram já seria um grande adianto para a Justiça dos homens — a que todos estão submetidos numa democracia.
Há corruptos e assassinos de todas as fés e fezes, ninguém é melhor ou pior por crer ou não. Todos são iguais perante a lei, e o Estado é laico.
É laico depois de séculos de domínio da Igreja Católica, pelo fracasso devastador do modelo que integra religião e Estado, com uma história farta de perdas e danos à liberdade e progresso dos cidadãos. Tudo em nome de Jesus.
O respeito ao próximo, comum em todas as crenças, se expressa não só no respeito à fé alheia, mas também em não tentar convertê-lo à sua, como seguidores nas redes sociais.
Em todas as religiões há sempre o livre-arbitrio. Deus não dá asa a cobra.
Fonte: “O Globo”, 11/01/2019