O coletivismo reinante no país tem feito com que até os filhos sejam cada vez mais “propriedade” do Estado. Os “engenheiros sociais” se arrogam a sabedoria de qual a forma “correta” para educar os filhos, e tentam impor isto por meio do governo. São filhotes de Rousseau, que “ensinou” ao mundo como as crianças deveriam ser cuidadas pelo Estado, após ter abandonado todos os seus filhos. Algumas pessoas parecem projetar no Estado o pai “perfeito” que não tiveram, pois não existe. O Estado é o deus laico da modernidade.
Dois casos recentes despertam preocupação quanto aos rumos deste coletivismo autoritário. No primeiro deles, A Justiça de Timóteo, em Minas Gerais, condenou em primeira instância o casal Cleber e Bernadeth Nunes por “abandono intelectual” dos dois filhos. O terrível “crime” do casal foi ter educado seus filhos em casa, após terem retirado os adolescentes da escola. O “homeschooling”, ou ensino domiciliar, conta com mais de um milhão de adeptos nos Estados Unidos. Não é para menos: a péssima qualidade das escolas, principalmente as públicas, assusta qualquer um mesmo. Entre a doutrinação ideológica das escolas públicas, e o ensino caseiro, a escolha da segunda alternativa tende a aumentar a cada ano.
No segundo caso, um juiz de Jundiaí, após receber uma denúncia, simplesmente ordenou que uma criança de um ano fosse retirada de sua mãe à força, pois ela estaria usando a filha para pedir esmolas. A mãe, uma cigana, alega que ganha a vida “lendo mãos”. Não vem ao caso julgar aqui o estilo de vida dos ciganos. Cada um com suas crenças. Mas quem deu o direito de o governo, sem mais nem menos, tomar um filho de uma mãe desta forma? As imagens são chocantes, por sua truculência e pelo desespero de mãe e filha.
A guarda que arrancou a criança, uma avó de três netos, afirmou que estava apenas cumprindo uma ordem judicial. De fato. Mas eis talvez o que Hannah Arendt quisesse dizer com o termo “banalidade do mal”, ao constatar que um burocrata nazista pensava estar somente cumprindo ordens. Será que perdemos a capacidade de questionar as ordens e as leis? Será que somos seres autômatos, fugindo da responsabilidade de julgamento pessoal?
Thomas Jefferson disse que, quando uma lei é injusta, temos o dever de descumpri-la. Sem dúvida isso abre uma complexa questão: como saber? Se cada um começar a julgar por conta própria qualquer lei, o Estado de Direito, fundamental para se preservar a liberdade, estará condenado. Mas o alerta é válido para mostrar o outro lado: seguir cegamente qualquer ordem apenas porque veio de um juiz pode ser a cumplicidade, ainda que por passividade, num ato cruel. E onde fica a consciência da pessoa que retira na marra um filho de sua mãe, porque estava “apenas seguindo ordens”?
Por fim, outra coisa que choca nisso tudo é a hipocrisia dos “filhotes de Rousseau”. Ora, se há somente uma forma “correta” de educar os filhos, e nós estamos sujeitos ao critério estipulado pelo governo, por que isso não é válido para todos? Afinal, os índios são ainda brasileiros, até onde sei. Mas em algumas comunidades indígenas, até mesmo a nefasta prática de infanticídio – isto sim, um crime perverso – ainda ocorre. Só que os “bons selvagens” são inimputáveis segundo os herdeiros de Rousseau. Pega mal para a turma que acredita na bondade natural corrompida pela sociedade (capitalista?), enfrentar a realidade indígena como ela é. Por isso os mitos precisam sobreviver aos fatos! E assim o Estado, que vai cuidar dos nossos filhos, não se mete com os filhos dos índios – nem mesmo para impedir o assassinato!
Esparta era uma sociedade coletivista também, militarizada, que tratava as crianças como propriedade do Estado. Mais recentemente, a China de Mao Tse Tung fez experimentos coletivistas com as crianças, seguindo as lições de Skinner sobre como educar as crianças, sem os “vícios” familiares. Nem preciso dizer quais foram os resultados destas experiências. Com todos os seus defeitos, e sendo obrigado a tolerar métodos altamente questionáveis, ainda penso que cada família deve ter o máximo de liberdade possível para educar seus filhos. Os verdadeiros excessos, como a violência, ou o total descaso, podem ser combatidos pela sociedade. Mas há um grande abismo entre isso e a crença de que cada etapa da educação dos filhos deve ser monitorada e controlada pelo governo. Afinal de contas, os filhos são de quem: dos seus pais ou do Estado?
Perfeito o texto, Constantino. Tempos de sombras esses atuais. ‘1984″ nos espreita. Abs,
Concordo e discordo.
Sim, contraditório, mas explico. É inadmissível que o Estado intervenha na educação dos filhos pelos pais. No entanto, há um sentimento de que os pais já não conseguem transmitir os bons valores de nossa sociedade a seus filhos. Há liberdade demais para as crianças e os adolescentes, e uma liberdade sem orientação, que acarreta nos inúmeros problemas que vemos na atualidade: violência, drogas, etc.
Concordo que iniciativas do Estado contra isso são arbitrárias, atentam contra a liberdade. Há meses, no município onde resido, um vereador sugeriu toque de recolher para menores de 14 ou 16 anos, a partir das 23h. A iniciativa se baseava no grande número de adolescentes pelas ruas da cidade, consumindo bebidas alcoólicas, usando drogas, sendo vítimas ou praticantes de crimes. Ou seja, seria uma intervenção assombrosa do poder público ao direito de ir e vir. Mas que fazer quando os pais não atentam para esses problemas?