À política, o velho provérbio também se aplica: é muito mais fácil falar do que fazer. E, no caso do analfabetismo adulto — das pessoas que têm mais de 15 anos e não sabem ler nem escrever— isso fica ainda mais evidente. Os presidenciáveis de oposição, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), prometem erradicar o analfabetismo no país, mas, quando foram governadores, não conseguiram fazer isso em seus estados. A promessa também já foi feita em 2002 por Luiz Inácio Lula da Silva e repetida em 2010 por Dilma Rousseff (PT), igualmente sem sucesso.
Em 2003, quando Lula tomou posse, disse que era preciso vontade política para resolver o problema. Naquele ano, lançou o programa “Brasil Alfabetizado”, que previa zerar o número de iletrados até 2006. A data limite chegou. A meta, não. Em 2010, em sua primeira campanha à Presidência, Dilma Rousseff (PT) repetiu a promessa. Queria erradicar o analfabetismo. Na época, o índice rondava 9,7% da população. Ao fim de seu mandato, ainda está longe do feito.
Segundo a estimativa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que é de 2012, 14,1 milhões de adultos não sabem ler nem escrever, o que equivale a 8,7% da população com mais de 15 anos.
Se depender do recém-aprovado Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil conseguirá erradicar o analfabetismo até 2024. Mas até a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Macaé Maria Evaristo dos Santos, vê obstáculos no caminho, entre eles a dimensão continental do Brasil e a universalização tardia do ensino fundamental.
No caso do candidato tucano, Aécio assumiu o governo de Minas Gerais em janeiro de 2003. Na época, o estado tinha um índice de analfabetismo adulto de 11,1%. Em março de 2010, quando deixou o posto, o último dado então disponível do IBGE, de 2009, indicava uma taxa de 8,6%. Hoje está em 7,4%.
Campos ficou à frente do governo de Pernambuco entre janeiro de 2007 e abril deste ano. Até 2012, último dado disponível, a taxa de analfabetismo havia encolhido dois pontos. Foi de 18,6% para os 16,7%.
‘Ações pulverizadas’
Em Minas, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação lamenta que o combate tenha sido feito apenas com “ações pulverizadas”.
— Não entendo como uma das maiores economias do país não conseguiu acabar com essa mazela — critica a diretora Beatriz Cerqueira.
Com 853 municípios e uma população estimada de 20,5 milhões de pessoas, Minas Gerais tem aproximadamente 1,5 milhão de adultos que não sabem ler nem escrever.
O governo de Minas argumenta, via assessoria de imprensa, que os resultados obtidos pelo estado estão entre os melhores do país e que, de acordo com o IBGE, houve uma queda de de 22,7% no índice de analfabetismo entre 2003 e 2009.
Em Pernambuco, o número de analfabetos é parecido, de 1,41 milhão (em 2012), e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação também reclama.
— Se Campos não conseguiu fazer isso (erradicar o analfabetismo) em Pernambuco, como vai fazer no país? — indaga seu presidente, Heleno Araújo. — Em 2007, havia 1,1 milhão de analfabetos no estado. Em 2014, são 1,2 milhões, principalmente entre aqueles com mais de 15 anos. Ainda tem o analfabetismo funcional, que se manteve até hoje em 28%, e o número de crianças com idades entre 4 e 17 anos que está fora da escola, que chega a 218 mil, o mesmo índice de 2007, quando Campos assumiu.
A Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco defende, por sua vez, que a quantidade de analfabetos caiu 10,2% na era Campos e cita os dois programas instituídos no âmbito estadual: o “Paulo Freire” e o “Alfabetizar com sucesso”. O primeiro, diz a secretaria, alfabetizou 160 mil jovens e adultos entre 2007 e 2013, e, no ano passado, teve 127.678 matrículas. O projeto tem como público-alvo as periferias das regiões urbanas, os assentamentos ou acampamentos rurais, as áreas quilombolas e as aldeias indígenas. A alfabetização dura oito meses, e as aulas normalmente ocorrem em igrejas, sindicatos e associações comunitárias.
O segundo programa implantado na gestão Campos funciona como uma espécie de reforço não só na rede estadual como também na municipal e foi realizado até 2013 em parceria com o Instituto Ayrton Sena. Segundo a secretaria, atendeu a 1,1 milhão de crianças entre 2007 e 2013.
No Distrito Federal, gari assina ponto com polegar
O gari Francisco Cândido de Souza usa o polegar direito para “assinar” a folha de ponto todos os dias. Aos 53 anos, ele é analfabeto e não consegue escrever nem mesmo o próprio nome.
— As letras, eu sei. Só não sei juntar. Se soubesse, era melhor, facilitava muita coisa — diz ele, envergonhado.
Cândido trabalha numa empresa contratada pelo governo do Distrito Federal para fazer a limpeza pública de Ceilândia, região administrativa que tem cerca de 500 mil habitantes e fica a 30 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. Ele é o único de sua equipe a sujar o dedo de tinta diariamente para marcar presença.
Um dos 12 filhos de uma família de lavradores no Rio Grande do Norte, Cândido nunca frequentou a escola. Conta que só os irmãos mais novos puderam estudar. Na década de 1980, mudou-se para Brasília. Hoje é pai de dois filhos e se orgulha de ter alfabetizado os dois.
No dia a dia, Cândido recorre à mulher ou a parentes na hora de ler documentos. Foi assim ao ser contratado pela empresa de limpeza. Recentemente, Cândido viajou a Natal para visitar a família. Num dos trechos, foi de avião, acompanhado por uma sobrinha.
O gari diz que só frequentaria um curso de alfabetização de adultos se as aulas fossem dadas à noite e perto de casa. Colegas contam que cursos desse tipo já foram oferecidos na empresa, mas fora de Ceilândia. Cândido não se inscreveu.
Carvoarias e lavouras substituem escola em MG
Sonhando com um futuro melhor, há alguns anos o servente de pedreiro Maciel Souza Cardoso, de 27 anos, trocou a pequena cidade de Manga, situada às margens do Rio São Francisco pela periferia de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. Matriculou-se em uma escola municipal para aprender a ler, mas, depois de dois anos, sem ter como sobreviver, trocou a sala de aula pelas carvoarias do município de Jaíba. Hoje, Cardoso é um exemplo clássico do sofrimento de quem ainda é analfabeto.
Na última semana, ele batia ponto numa obra em Montes Claros. Saía de casa às 5 horas e só retornava às 17h. Exausto, lamenta a falta de opção.
— Queria estudar, mas não tenho força. Vivo a sina de não saber ler nem escrever.
A realidade do servente é a mesma dos irmãos Artur Soares Ferreira, de 82 anos, e Maria dos Reis Soares Silva, de 79 anos. Nascidos na comunidade rural de Vista Alegre, nunca foram alfabetizados. Em toda a vida, ela teve apenas uma semana de aula. Aos 10 anos, começou a trabalhar como doméstica e nunca conseguiu conciliar a jornada com os estudos.
Artur, por sua vez, foi lavrador em São Paulo e, durante 40 anos, trabalhou na produção de arroz, feijão, milho e algodão. A jornada de trabalho começava às 3 horas e terminava às 18 horas. Não tinha como frequentar escola.
Os três não se beneficiaram dos programas de alfabetização do ex-governador Aécio Neves e estão entre os 460 mil analfabetos do Norte de Minas.
Fonte: O Globo
Estão de brincadeira!